sábado, 10 de novembro de 2018


10 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Maria, Nayr e Marília

Como você percebe que a sua vida deu certo, que tem caráter?

Pelas amizades. Pela longevidade dos laços. Pois se mantém os amigos por perto, apesar das mudanças e provações ao longo dos anos, é que realmente respeita as diferenças e cuida de seus afetos. Não transformou a solidão em egoísmo, não foi engolido pela vingança e pelo ressentimento, não acabou mordido pela vaidade, não sucumbiu à inveja, aceitou que colegas fizessem as suas escolhas e permaneceu ao lado nas consequências.

A lealdade é sinônimo de gratidão. Honrou o amigo com sucesso do mesmo jeito que honrou o amigo com as suas crises e seus tombos. Honrou o amigo triste do mesmo jeito que honrou o amigo alegre. Honrou o amigo que perdeu as suas raízes do mesmo jeito que honrou o amigo com a vastidão dos galhos genealógicos. Aceitar é agradecer e perdoar, simultaneamente. Não ser igual, mas ser justo.

Minha mãe, por exemplo, patrona da Feira do Livro de Porto Alegre, preserva duas amigas de sua infância de Guaporé (RS). Maria, com Nayr e Marília, formam um trio inseparável de professoras. Já atravessaram uma cumplicidade de mais de 70 anos. Sete décadas se falando e se ajudando.

Nayr e Marília são viúvas, a mãe é divorciada, todas se ampararam em diferentes fases do amor, não se distanciaram por nada, madrinhas das bênçãos e colo perpétuo das dores.

Quando eu as vejo juntas, rindo e se abraçando, senhoras do destino, eu tenho a convicção de que continuam três meninas brincando com as pedras da posteridade, dentro do faz de conta das palavras. Elas formam o milagre do entendimento, a força absurda das confidências. Sabem de cor o que cada uma é capaz de sonhar. Dividiram um internato, mudaram-se do Interior para a Capital, passaram, lado a lado, pelas festas de debutante, altar, batismos de crias e netos. As três viram o mar, pela primeira vez, em Copacabana, no Rio de Janeiro, de mãos dadas, pulando corda com as ondas. O oceano é tão infinito quanto os seus gritos de alegria.

Maria, Nayr e Marília nunca vão envelhecer uma para a outra. Porque jamais deixaram o tempo ficar entre elas.

CARPINEJAR

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