sábado, 10 de novembro de 2018



10 DE NOVEMBRO DE 2018

CLAUDIA TAJES

Queridos professores

Tem alguma coisa muito estranha neste mundo. Os professores, que ontem mesmo eram solução, agora são tratados como problema. Como foi que aconteceu isso?

Problema, diga-se, é ser professor no nosso país. A pessoa passa anos estudando, graduação, mestrado, doutorado. Paga cursos de atualização, participa de seminários. Lê, pesquisa, compra livro, come livro, tudo para ganhar um salário irrisório que não cobre nem o que foi investido na carreira, nem o custo da própria vida. O professor de escola pública ainda vai receber parcelado. É possível ensinar se não for por amor?

Professor é aquela lembrança que não desaparece nunca. Dona Sílvia foi a minha primeira, a do jardim de infância, no tempo distante em que não se chamava professora de tia, mas de dona. Dona Dídia, dona Terezinha, dona Aracy, dona Márcia, dona Alba, de algumas esqueci o nome, mas ainda consigo lembrar das aulas. No colégio de freiras do primário, a Irmã Urbana contou que, antes de entrar para a ordem, tinha o nome de Francisca. Na época, me pareceu inexplicável alguém deixar de ser Francisca para virar Urbana. Continua parecendo.

Não morri de amores por todos os meus professores, claro que não. Os mal-humorados, os irritados, os impacientes, os azedos, pessoas nubladas existem em qualquer profissão. Sabe-se lá que dificuldades enfrentavam fora do colégio, mas a impressão era a de que odiavam aquilo que estavam fazendo - e, na carona, odiavam os alunos. Na sétima série, o padre que ensinava ciências passou a maior parte do ano discorrendo sobre o aparelho reprodutor masculino, enquanto breves foram as noções sobre o coração, ossos, estômago, pulmões. Alguns professores não conseguiam controlar a turma. Bolinhas de papel atiradas, cadeiras atiradas, grosserias atiradas. Os alunos desrespeitosos sempre escolhiam como vítimas preferenciais as professoras jovens. Não se falava nisso, mas o que mais era se não o machismo dando as caras lá no início da vida da gente?

Alguns professores viravam folclore. O que sempre ia para as aulas vestido com um safári, aquele conjunto de calça e casaco de mangas curtas que deixava o sujeito com pinta de explorador da savana africana. Aquela que nunca ria e ensinava matemática como ninguém. A que ia às festinhas dos alunos e era amada por todos. A que sempre começava a aula de literatura lendo um poema - e ninguém prestava atenção, aproveitando aqueles minutos para ir ao banheiro ou encerrar uma conversa. Será que, mesmo assim, ela seguiu começando as aulas com poesia?

Talvez a gente só perceba mesmo a importância dos professores quando vira adulto. Na faculdade, a relação entre quem ensina e quem aprende fica muito mais próxima. O professor passa a ser um amigo com mais conhecimento - e mais juízo. O conteúdo das aulas, enfim, faz sentido do lado de fora. Quando o meu filho foi para o colégio, vi nas professoras dele tudo o que as minhas passaram, uma eterna mistura de superação e frustração. Lutar, dia após dia, pela atenção de 20, 30 alunos - com todas as suas diferenças. Por que eu tenho que aprender a topografia do Piauí? De que me serve a geometria? Por que diabos a gente estuda os poríferos? Se nem sempre a matéria é interessante, o professor sempre precisa ser. E a maioria é.

Então, de repente, esse papo de filmar os professores em sala de aula para ver se não estão espalhando ideias erradas nas aulas de história. Se não estão incutindo pensamentos equivocados nas aulas de filosofia. Se não estão contrabandeando ideologias entre um Manuel Bandeira e um Carlos Drummond de Andrade. Fora as duas professoras que foram agredidas covardemente dentro da escola enquanto trabalhavam. Ora, minha gente, vamos respeitar os profissionais a quem entregamos os nossos filhos. Que estudaram muito para estar ali e que, se não desistem, é porque sabem que o mundo vai ficar muito, mas muito pior sem eles.

Eu diria mais. Sem os professores, nós todos estamos perdidos.

Livro de professora querida: a Jane Tutikian lança Ele Sabe neste sábado, dia 10, às 17h30min, no Pavilhão de Autógrafos da Feira do Livro. E o Festival do Cinema Acessível exibe Frozen durante a Feira, nos dias 10 e 14, às 15h, no Cine Santander Cultural, com libras, audiodescrição e legenda descritiva. Para todos mesmo.

CLAUDIA TAJES

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