sexta-feira, 12 de julho de 2019



12 DE JULHO DE 2019
DAVID COIMBRA

Escândalo: os gaúchos estão matando o banho

Li, na coluna de Giane Guerra em GaúchaZH, que, devido aos dias frios, diminuiu a venda de sabonetes no Rio Grande do Sul. Ou seja: bastou baixar um pouco a temperatura e os gaúchos já estão matando o banho. Considero isso grave, e não apenas por questões higiênicas e olfativas. Já direi quais outras. Antes, devo fazer uma ressalva: é que posso entender o receio de banhos no inverno.

Agora mesmo estou me lembrando do chuveiro que tinha lá em casa. Eu o odiava. Quando a gente ia abrir, dava choque. Tínhamos de girar a torneira com uma toalha. Na época, circulavam histórias horríveis de pessoas que haviam sido eletrocutadas por chuveiros. Morriam duras e pretas, segurando a válvula assassina. Então, era necessário ser rápido para ligar e desligar aquele troço ameaçador. Só que, para o banho ficar quente, precisávamos diminuir o fluxo da água. E, se o diminuíssemos demais, o chuveiro apagava e a água ficava fria. Assim, o ato de abrir e fechar o chuveiro demandava habilidade, concentração, arte e alguma coragem. Talvez isso tenha contribuído com a formação do meu caráter, mas juro que preferia um chuveiro a gás.

Quando as coisas melhoraram financeiramente lá em casa, a mãe apareceu com uma ducha moderníssima, europeia. Era de plástico, menor do que o chuveiro, do tamanho do punho do Mike Tyson. Na propaganda da TV, aparecia aquela duchinha fazendo jorrar densos jatos de água fumegante. Até o nome, "ducha", sugeria água em prodigalidade. Fiquei tão feliz! Mas era tudo mentira. Na duchinha, também era preciso reduzir o fluxo de água para o banho ficar quente. Um dia, ao fazer isso, vi, com horror, a desgranida EXPLODIR sobre a minha cabeça. Depois desse dia, hesitava em tocar na alavanquinha que apontava "inverno" para água morna e "verão" para água gelada. Tomar banho já foi perigoso.

Portanto, sou solidário com quem tem de enfrentar vicissitudes no momento de suas abluções diárias, algo que só acontece no sul do Brasil. Em Fortaleza, por exemplo, há hotéis que não dispõem de banho quente. Nem precisa. Você se lava a temperatura ambiente e, quando sai do chuveiro, o espelho está embaciado.

Mas o Brasil inteiro é um país adepto de banhos. Graças aos nossos índios, não aos nossos portugueses. Há 500 anos, quando aqui chegaram, os europeus acreditavam que a preservação de camadas de óleo e sujeira sobre a pele fazia bem à saúde. Eles temiam a peste negra, que nos séculos anteriores devastara populações da Europa. Acreditavam que os miasmas pestilentos entravam no corpo pelos poros, que, por isso, deviam estar fechados como uma zaga formada por Kannemann e Geromel. Para garantir esse sebo protetor, tomavam um único banho POR ANO, geralmente em maio, que, por essa razão, era o mês favorito para os casamentos. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, espantaram-se com os índios, que tomavam meia dúzia de banhos POR DIA e eram saudáveis.

Gaúchos no inverno, pois, estão mais para portugueses do que para índios. E isso é ruim por várias razões. As de saúde e asseio já sabemos, mas há mais uma: é que o banho serve para a reflexão. Sozinho consigo mesmo, no recôndito do banheiro, o homem faz algo que está fora de moda hoje em dia: pensa. O que há de mais exclusivo na nossa condição humana é exercitado nesse sagrado pedaço do dia. 

Quando pensamos, nos voltamos para dentro, somos conduzidos docemente à autocrítica. E, desta maneira, cometemos menos erros. Um bom e demorado banho quente, sobretudo no auge do inverno, serve quase como um período de meditação. Voltem a comprar sabonetes, gaúchos de todas as querências. Voltem à assiduidade dos banhos. Para que sejamos pessoas mais limpas, sim, mas também para que sejamos pessoas melhores.

DAVID COIMBRA

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