JaimeCimenti
Questões conjugais além do
óbvio
Felicidade
conjugal (Bertrand Brasil, 318 páginas, tradução de Clóvis Marques), do
escritor e poeta marroquino Tahar Bem Jelloun, nascido em Fez em 1944, de
ascendência norte-africana, mas que sempre escreveu em francês, mostra uma vez
mais o talento que já lhe valeu mais de 15 prêmios, entre eles o prestigiado
Goncourt, um dos mais importantes da Europa.
Pela
Bertrand, o autor já publicou, no Brasil, os romances Partir e O último amigo.
Felicidade conjugal se inicia com o relato de um grande pintor que, no auge da
fama e do dinheiro, sofre um AVC. Enquanto está aposentado por invalidez até
uma eventual recuperação, ele vai contando sobre seu casamento e sobre sua
vida. Um amigo toma nota das análises que o pintor faz de sua vida, de sua arte
e de seu relacionamento conjuga.
Ele
responsabiliza sua esposa pela crise que passa e vai enumerando os defeitos da
companheira e os problemas da relação. O homem que amava demais as mulheres é o
título de seu desabafo. Ele romantiza as pessoas e os acontecimentos, e os
fatos se passam em Casablanca, Paris, Marrakech e Tânger. É como se ele
pintasse um último quadro, com cores fortes.
Quando
a esposa toma conhecimento do relato, resolve elaborar uma resposta, que
intitula Minha versão dos fatos, resposta ao homem que amava demais as
mulheres.
Ela
é realista. Num determinado momento, altamente demolidora, ela faz uma lista de
trinta manias, hábitos, características e coisas que detesta nele. Depois dos
dois relatos, o leitor terá diante de si várias visões, opiniões e vai ver
muito além do óbvio que existe nas questões conjugais.
O
grande trunfo do livro é colocar nos relatos a verdade, a mentira e a dúvida, e
mostrar que sempre há mais de uma opinião. Será que o pintor e sua esposa
viveram na mesma casa, a mesma história, tiveram os mesmos filhos e realmente
estiveram casados? O que acontecia por trás das aparências, das fachadas e do
decoro? Será que existe certo ou errado numa instituição tida como inabalável
como o casamento? E a felicidade conjugal, onde fica?
O
romance traz os dois lados da moeda, as duas metades da maçã. A prosa profunda,
clara e luminosa do autor mostra que os elogios da crítica e do público são
merecidos.