sábado, 27 de setembro de 2014


28 de setembro de 2014 | N° 17936
FABRÍCIO CARPINEJAR

Fossa Nova

Nunca se comenta, nunca se discute, mas uma das principais modas é a da fossa. Fossa Nova que João Gilberto não sonhou em cantar.

Nenhum estilista providenciou um desfile sobre os deprimidos do amor, mas são as roupas que mais saem e as mais usadas.

Nenhuma Fashion Week abordou o assunto, mas não há vivalma que não tenha experimentado a eterna tendência.

As roupas da fossa são simples. Escuras, velhas e desbotadas. Aderem ao inverno total, apesar do sol brilhando lá fora. Não trazem cores quentes e ávidas do contato. Não provocam a atenção do verão e da primavera. Expressam cores resmungos, cores sombrias, avessas às gargalhadas e absolutamente discretas.

Vestidos? Jamais. Necas da sensualidade de pernas e tornozelos à mostra.

Blazers e casacos? Impossível. Às favas a sobriedade e a harmonia do conjunto masculino.

As calças pedem bolsos destinados ao lenço de papel, à aliança solteira e ao celular no silencioso. Pode ser de um abrigo surrado ou daquela calça jeans pronta para o sacrifício final.

As mulheres preferem as pantufas e os moletons com mais bolsos ainda.

Os homens optam pelo figurino de pintor de paredes: camiseta básica e manchada.

Os hábitos alimentares influenciam os modelos. As mulheres mergulham em potes de sorvete e desmancham barras de chocolate. Os homens recorrem ao álcool e à pizza como antidepressivos. Quem pede pizza durante três dias na semana é certo que vem penando por uma separação. Toda tele-entrega já identifica o cliente.

Estarão disfarçados de mendigo, interessados na praticidade: colocar e esquecer. Suas vestimentas formam um estranho macacão.

Não querem responder perguntas, odeiam cumprimentos educados como “tudo bem?” ou “o que fez no final de semana?”. Não desejam interagir. Querem passar despercebidos dentro da própria casa mesmo quando não tem ninguém.

São darks pelas olheiras. São grunges pela sobreposição. São punks pelos cabelos desalinhados e duros.

É uma mistura de épocas e de restos de coleções. Seus adeptos representam brechós andando, brechós-centopeias.

O que diferencia o deprimido é a falta de capricho no detalhe. Ele dispensa acessórios.

Se a mulher passeia pelo bairro desprovida de penteado é sócia do desastre.

Se o homem anda pela rua calçando um sapato sem meia está submerso na dor de corno e de cotovelo.

Se a mulher caminha sem maquiagem, brincos e colar está enfrentando um divórcio.

Se o homem percorre seu caminho ao trabalho desfalcado de cinto está vivendo sua decadência sentimental.


Vestir a dor tampouco exige medidas. As peças sobram ou apertam a cintura e não se reclama. Dois números acima, dois números abaixo, tanto faz, o desconforto não incomoda. A proposta é não se gostar mesmo.