28
de setembro de 2014 | N° 17936
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
Marilyn e as ostras
Dá-me
certa ansiedade não pagar nada para a escola do B. É tudo de graça, e a escola
é ótima. Fico me sentindo culpado. Fico achando que tem alguma coisa errada. A
sensação é de que, se eu não der um bom dinheiro, eles não vão fazer um bom
trabalho.
Lá
estudou o Kennedy, imagina, e ele também não pagava nada.
Estou
me exibindo muito com isso de o Kennedy ter estudado no mesmo lugar em que o
meu filho estuda.
Fim
de semana passado, o Potter e a Marcella estiveram aqui. Saímos a flanar por
Boston. Paramos para almoçar no Union Oyster Bar, o mais antigo restaurante em
funcionamento dos Estados Unidos, aberto desde os albores do século 19. O
Kennedy ia lá para comer ostras frescas, e sentava-se sempre na mesma mesa, a
18. E não é que, por total coincidência, nos colocaram exatamente na mesa
dele!?! Olhei para o B e disse:
– Guri,
isso é um presságio! Tu vais ser presidente. Ou vais pegar uma Marilyn Monroe.
Prefiro
a Marilyn. Já estou vendo-a, no aniversário dele, vindo a ondular como a
serpente do paraíso, suas sinuosidades mal contidas dentro do vestido coladinho
e faiscante. Estou vendo seu sorriso de marfim se abrindo diante do microfone e
ela cantando em meio a gemidos e sussurros:
– Happy birthday... to you... Happy
birthday... to you... Happy birthday, mister Bernardou...
Ah,
o orgulho de um pai.
COMO
FUNCIONAM AS ESCOLAS
As
escolas públicas são excelentes por aqui. São mantidas por uma espécie de IPTU
e melhoradas por doações da comunidade. Não são doações de ricos, não. São
ações comunitárias, promovidas por empresas, entidades ou pessoas físicas. Duas
semanas atrás, um supermercado, o Whole Foods, destinou 5% da renda do dia para
as escolas locais. Todos da vizinhança foram comprar lá, eu inclusive.
O
aluno não escolhe onde vai estudar. Quem escolhe é a, digamos, secretaria de
educação, que coloca o aluno na escola mais próxima da sua casa. Então, lá na
escola do B estudou o Kennedy e estudam os filhos do zelador do prédio em que
moro, um sujeito retaco e sorridente egresso de El Salvador. Estudam também
israelitas, árabes, coreanos, japoneses, italianos, etíopes, e todos fazem aula
de inglês como reforço. De graça. E de graça ganham material escolar: cadernos,
régua, canetas, lápis de cor...
A
criança chega às oito da manhã e sai às duas e meia da tarde. Se os pais
quiserem, o aluno continua até as seis e meia em diversas atividades de
suporte, como aula de matemática, de literatura, de artes ou de esportes. E não
paga um único dólar a mais por isso. O que você paga são três dólares por dia
pela alimentação. Se não tiver condições de dar essas três doletas, manda uma
carta para a escola, e eles fornecem alimentação gratuita e assistência médica
gratuita também.
Os
Estados Unidos são o maior país socialista do mundo.
A E
I O U
A
língua tem ritmo. Às vezes, passo por uma obra (tem muito brasileiro na
construção civil americana) e reconheço o português do brasileiro pelo ritmo,
não pelo sentido do que está sendo dito. Porque nem entendi o que as pessoas
estão falando, não ouvi uma única palavra, só identifiquei o balanço do som e
por isso sei que ali há brasileiros conversando.
O
português falado por brasileiros é suave. Ao contrário do alemão, por exemplo,
que é áspero. O espanhol da Espanha é agressivo. O italiano é dramaticamente
cômico. Ou comicamente dramático. E o americano canta.
–
Good mooooorniiiiing... – é a saudação das manhãs que faz a guarda de trânsito
que fica controlando a rua atrás da escola do B. Gosto disso, de uma guarda de
trânsito me cumprimentando com tanta alegria. Mas não é só ela. Depois de
deixar o B, saio caminhando pela rua e cruzo com americanos portando enormes
copos de papel cheios de café. Basta fazer contato visual com um deles para
ouvir:
–
Good moooooorniiing...
Esforço-me
para devolver um good morning à altura.
Agora,
o que eles gostam mesmo de dizer é oh my God. Para tudo eles dizem oh my God.
Dizem de um jeito completamente cantado, com breque. Assim:
– Ó!
Mai! Góóód...
Conheço
uma americana que é de Connecticut, a Michelle. Ela fala Cãnéricãt. Acho lindo.
Queria um dia sair por aí falando Cãnéricãt.
Mas,
cá entre nós, é muito estranha a forma como eles falam, não é? Sobretudo as
vogais.
O
“A” é “Ei”.
O
“E” é “I”.
O
“I” é “Ai”.
O
“O” é “Ou”.
E o
“U” é “Iu”.
Por
que isso??? Por que não falam certinho A, E, I, O, U?
Gostam
de complicar, esses americanos.