20
de setembro de 2014 | N° 17928
CLÁUDIA
LAITANO
Cigarro que
fala
Fui
uma fumante pouco convicta durante alguns anos. Gostava de fumar em situações
sociais, no tempo em que quase ninguém achava estranho se você acendia um
cigarro em um lugar fechado, e de vez em quando no trabalho – nunca em casa. No
mundo dos fumantes, eu era uma amadora.
Mas
não faltavam fumantes pesos-pesados para sustentar a indústria à base de uma ou
duas carteiras por dia: professores fumavam enquanto escreviam no quadro-negro,
médicos fumavam enquanto alertavam o paciente sobre os malefícios do cigarro,
mães fumavam com bebês no colo ou na barriga. Até os anos 80, fumava-se como se
não houvesse amanhã – ou câncer de pulmão. E eu fumava porque todo mundo
fumava.
Pra
minha sorte, todas as vezes em que decidi parar de fumar – na gravidez, por
exemplo –, largava o cigarro sem qualquer crise de abstinência, e portanto não
foi nenhum esforço deixar meu protovício para trás. A certa altura, os cigarros
simplesmente foram ficando cada vez mais raros – junto com os
cachorros-quentes, as batatas fritas e as festas que acabavam às cinco da
manhã. Não exatamente larguei o cigarro, foi ele que me trocou por uma mulher
mais nova.
Não
sinto a menor falta da nicotina, mas de vez em quando tenho uma certa nostalgia
do cigarro como escudo para interações sociais desconfortáveis. Se você estava
sozinho, deslocado, tentando chamar a atenção de alguém ou muito preocupado com
a opinião que os outros estavam fazendo a seu respeito, o cigarro
definitivamente não resolvia seu problema, mas distraía sua atenção e dava a
ilusória sensação de que você havia desaparecido na fumaça por alguns
instantes.
Esse
efeito “não olhe para mim, estou concentrado no meu cigarro” desmanchou-se no
ar – junto com os cinzeiros e os homens de Marlboro. Hoje, o fumante é um
proscrito, e em alguns ambientes fumar chama mais atenção do que declamar um
poema de Olavo Bilac com a mão no peito. Adeus, tabaco-camuflagem.
O
substituto não químico do cigarro, porém, não demorou a aparecer. Em festas,
velórios, paradas de ônibus, elevadores ou teatros, o celular tornou-se o
grande companheiro dos minutos mortos ou ansiosos. Como acontecia com o
cigarro, há pessoas com mais dificuldade do que outras para moderar o consumo –
e há quem reclame da falta de modos dos dependentes pesados. Há usuários
amadores, que mantêm o telefone por perto para o caso de uma ligação ou uma
consulta rápida no Google, e há os usuários “duas carteiras por dia”, que
conversam, checam e-mails, assistem a vídeos – tudo isso independentemente da
paisagem, da ocasião ou da companhia.
Houve
um tempo em que não apenas os ogros fumavam no elevador – o que hoje soa tão
aceitável quanto despejar lixo no quintal do vizinho. O que parecia normal foi
sendo regulado, aos poucos, para facilitar a convivência cordial e civilizada
entre as pessoas. Há sinais de que a “abdução” eletrônica também vai acabar
sendo regulada no sentido de diminuir a distância e a desatenção com o que/quem
está em volta. Talvez ignorar uma pessoa de carne e osso a sua frente para
mergulhar em uma realidade alternativa seja lembrado, no futuro, como o
equivalente social da baforada no nariz alheio. Ou não.