17
de setembro de 2014 | N° 17925
MARTHA
MEDEIROS
Homens, santos e
desertores
Outro
dia, o Fábio Prikladnicki escreveu um artigo interessante sobre essa mania de
aplaudir de pé qualquer apresentação teatral, seja ela excelente, razoável ou
uma porcaria. É de fato constrangedor prestar reverência a um artista apenas
por hábito, mas felizmente não foi o que aconteceu sábado passado no Theatro
São Pedro, quando o ator Ricardo Blat foi tão magnífico em Homens, Santos e
Desertores, que até uma múmia daria um jeito de levantar ao final.
Foi
aplaudido com vigor, confirmando que, na televisão, atores coadjuvantes ficam
presos a uma jaula com poucos recursos, mas no palco ganham uma liberdade de
atuação que os torna comparáveis aos grandes. Só achei a peça curta: uns 15
minutos a mais poderiam aumentar a consistência do conflito mostrado no palco.
Mas o que importa é que o desempenho foi hipnótico e os aplausos em pé se
justificaram – reação espontânea e agradecida da plateia.
O
texto é de Mario Bortolotto, um dos nomes em evidência na nova dramaturgia
brasileira. Na peça, ele coloca em cena a inadequação social, a dificuldade de
se integrar e a solidão como rota de fuga – há muitos desertores por aí.
Pode-se desertar de uma forma convencional (colocar o pé na estrada) ou trágica
(o suicídio). E, como desertores não costumam olhar para trás e avaliar os
estragos causados, cabe àqueles que ficam administrar o abandono.
“Ninguém
nunca tem culpa sozinho.” Essa é uma frase que pincei da peça e que pode
confortar ou incomodar, depende: a quem atribuímos a tal culpa? Quando a culpa
parece ser apenas dos outros, daqueles que não nos aceitam como somos, que
vivem à revelia das nossas vontades, vale perguntar: por que colocamos nas mãos
deles o que é responsabilidade nossa? As outras pessoas não vieram ao mundo
para nos bajular, para nos mimar.
Elas
têm suas próprias necessidades, suas próprias carências. Não são agressores
conscientes, apenas estão tocando a vida da forma que acham que devem. Serão os
únicos culpados pela nossa infelicidade? Nós é que devemos encontrar um jeito
de não sermos tão dependentes do olhar alheio.
Por outro
lado, se assumimos sozinhos a culpa pela nossa incompetência diante da vida,
pela nossa dificuldade em lidar com os desafios, por não conseguirmos manter
laços afetivos, também é um exagero. O egoísmo do mundo tem crescido, as
pessoas andam desinteressadas em manter vínculos, temos sido jogados às feras
mesmo. Os outros contribuem para nossa dor, sem dúvida.
Do
que se conclui: tudo o que nos acontece tem vários “pais” e “mães”. Ao
reconhecermos isso, fica mais democrática a distribuição de responsabilidades e
o impulso de fugir diminui. Desertar é uma tentativa de escapar da culpa, mas
raçudo mesmo é aquele que fica e a reparte – e toca a vida sem abandonar
ninguém.