23 de setembro de 2014 | N° 17931
LUÍS AUGUSTO FISCHER
RACISMO POR LENTE BEM POLIDA
Está saindo do forno um ótimo romance, daqueles de pegar e
não conseguir largar, daqueles com personagens que passam a ocupar nosso dia
como se gente real fosse. Se chama Americanah e a autora é a nigeriana
Chimamanda Ngozi Adichie (Cia. das Letras, tradução de Julia Romeu).
O centro do enredo é a relação da determinada Ifemelu com
Obinze. São amigos de escola, depois namorados, depois se afastam porque ela
emigra para os EUA enquanto ele vai tentar a sorte na Inglaterra, e depois se
reencontram, mas não posso dizer como nem por quê, sob pena de estragar parte
suculenta da história.
O relato nada tem de linear, porém. Quando entramos na
história, Ifemelu está por sair dos EUA e retornar a sua terra natal, decisão
demencial para quem sabe o que passou para se dar bem na América e sabe o que a
espera em Lagos. Desse ponto a história vai para trás e para a frente, em
movimentos lentos e bem construídos, fluentes como costumava acontecer com o
grande romance realista do século 20, que a onda pós-modernista soterrou, ou
exilou para o território dos livros triviais.
Aqui nada temos de trivial. Para além do cotidiano de uma
mulher negra, acompanhada por um narrador distanciado o mínimo possível, o que
lemos é a consciência sempre em construção dessa personagem. Altiva,
voluntariosa, dedicada, familiar, sensual, Ifemelu tem relações fortes com
homens de variada história e posição social e cultural, o que lhe dá substrato
empírico de altíssimo valor para comentar o mundo.
Comentar mesmo, porque um dos subidos méritos do livro é o
fato de que Ifemelu escreve um blogue sobre a condição dos negros nos EUA,
vistos com clareza inédita por uma negra que, diz, nem sabia que era negra
antes de chegar naquele grande país – o país de Obama, cuja eleição os
personagens acompanham de perto. O blogue é reproduzido ao longo do relato,
trazendo ao cenário um acréscimo de realismo e visada crítica.