FERREIRA GULLAR
O sonho
acabou
O que move defensores da legalização da maconha é a
necessidade que têm de se opor ao que é 'careta'
Falando com sinceridade, confesso que não consigo entender a
razão que leva certas pessoas a defenderem a legalização do uso da maconha, e
entendo menos ainda quem defende o mesmo para as drogas mais pesadas.
Mas fiquemos na maconha. Os defensores de sua
descriminalização valem-se de argumentos que exaltam as virtudes dessa erva.
Segundo eles, a maconha possui virtudes medicinais inegáveis.
Para outros, ela é inofensiva e deve ser liberada para
lazer, muito embora, conforme afirmam médicos psiquiatras e pesquisadores,
trate-se de uma erva com inegável poder alucinógeno.
Eu mesmo, que não sou médico, garanto-lhes que a maconha
provoca alucinação e o digo por experiência própria, por fatos ocorridos com
meus filhos e com meus amigos.
Em alguns desses casos, poderia ter morrido alguém, tal o
descontrole em que ficaram os maconhados.
É verdade que isso não ocorre com todo mundo, pois também
conheço gente que fuma maconha há anos e nunca agrediu ninguém. Mas, se alguns
podem ser levados ao delírio, por que dizer que essa erva não é ofensiva?
Aliás, ela abre caminho para as drogas pesadas.
Argumentam eles que o álcool é pior que a maconha, mas não é
proibido. Pode ser, mas estou certo de que muito menos gente consumiria bebida
alcoólica se isso fosse proibido, o que é inviável.
No Brasil, são milhões de alcoólatras, causando uma despesa,
para tratá-los, de mais de meio bilhão de reais aos cofres públicos.
A legalização da maconha certamente levará ao aumento de
consumidores e das despesas com seu tratamento. O que o país ganharia com isso?
O certo seria uma campanha educativa em larga escala para mostrar aos que ainda
não usam drogas que usá-las é autodestruir-se.
Posso estar enganado, mas percebo, em meio a essa polêmica
pela legalização da maconha, algo mais que uma simples disputa em defesa da
saúde ou do direito de todo cidadão usufruir do que lhe dá prazer.
Na verdade, o que move alguns dos defensores da legalização
é a necessidade que têm de opor-se ao estabelecido, ou seja, ao que é
"careta".
Para entender o problema basta lembrar como foi que tudo
começou, quando se drogar se tornou o modo de afirmação dos jovens. Esse foi um
fenômeno de abrangência mundial, ligado à nova música que tomou conta da
juventude nos anos 1960 e 70. A
guitarra elétrica e a entrega ao delírio das drogas são frutos de um mesmo
momento.
Esse fenômeno teve o seu ápice nos espetáculos musicais que
reuniam dezenas de milhares de jovens e que eram uma espécie de entrega
coletiva ao delírio ampliado pelo consumo de cocaína, maconha, ácido lisérgico
e tudo o mais.
Com o passar dos anos, alguns dos ídolos desse período
morreram de overdose, enquanto os que sobreviveram continuaram cantando e tocando,
mas já envelhecidos e fora de moda como o prestígio das drogas que, não
obstante, apropriadas pelos traficantes, consolidaram-se num mercado
internacional clandestino, que movimenta bilhões de dólares.
Assim, a dependência, nos viciados, tomou o lugar do sonho
(que acabou), enquanto a sociedade burguesa, que aquela geração abominava,
voltou a ser vista como o caminho mais seguro a seguir.
Por outro lado, a repressão contra as drogas se
intensificou, mas sem grandes resultados. Daí a tese de que o mal maior é o
tráfico e que a legalização das drogas acabaria com ele.
Acabaria mesmo? Para que isso aconteça será preciso manter a
venda de drogas no nível atual (ou certamente ampliado) e que o comércio legal
passe a comprá-las dos produtores clandestinos, na Colômbia, na Bolívia, no
Paraguai e sabe-se onde mais. Isso porque, se a oferta de drogas aos viciados
não for satisfatória, eles recorrerão aos traficantes.
A mais nova proposta é que a legalização das drogas seja
feita por todos os governos do mundo. Se isso ocorresse, os governos teriam que
criar uma espécie de ministério específico, com centenas ou milhares de
funcionários para atender a produção, distribuição e venda das drogas e, ao
mesmo tempo, preparar-se para o tratamento médico de uma população de
dependentes que, com a liberação, como as bebidas e o cigarro, atingirá a casa
dos milhões e milhões.
Pois é, e tudo isso por culpa dos Beatles e dos Rolling
Stones.