30
de setembro de 2014 | N° 17938
DAVID
COIMBRA
NO JOGO DOS MEIAS
VERMELHAS
Eu e
o B fomos ao jogo dos Red Sox. Jogo de beisebol, bem entendido, que é isso que
os Red Sox jogam. Era um clássico: Red Sox, o time de Boston, contra Yankees, o
time de Nova York. É o Gre-Nal deles. Compramos bonés do Red Sox e, contentes,
cobrimos nossas cabeças com eles, mas o B anunciou:
–
Vou torcer pelos Yankees. – Por quê?
–
Eles são de Nova York, e eu gosto de Nova York. O Potter está em Nova York.
– O
Potter já voltou para Porto Alegre.
–
Mas a Estátua da Liberdade continua em Nova York. Eu gosto de Nova York. Vou
torcer pelos Yankees.
Esse
guri é do contra. Paciência. Lá fomos nós para o Fenway Park, o estádio dos Red
Sox.
Interessante
esse nome, Red Sox. Eles são os “Meias Vermelhas”, mas a meia é o que menos
aparece no uniforme de um jogador de beisebol: eles usam calças compridas.
Alguns
jogadores me pareceram acima do peso, mas percebi que isso não chamou a atenção
de ninguém.
O
que chamou a minha atenção foi o comportamento dos torcedores. Torcer, torcer,
eles não torcem. Estão lá para assistir ao jogo, não para ajudar seu time a vencer.
Querem ver um espetáculo. E comer. Há bares e restaurantes em toda volta do
estádio, as ruas ficam iluminadas com luzinhas coloridas e há pequenas
barraquinhas vendendo quitutes. Como se fosse uma quermesse. Lá dentro, a mesma
coisa: em toda parte há quiosques com comida e em alguns setores as pessoas
ficam jantando e assistindo ao jogo através de telões.
Fiz
o que tinha de fazer: comprei cachorros-quentes para mim e para o B. Na
América, faça como os americanos.
O B
podia torcer à vontade para os Yankees. Entre nós, havia outros que faziam
isso, bem identificados por bonés e camisetas azuis. Mas, como já disse, eles
mais aplaudiam do que torciam. Acontecia um lance interessante e eles:
–
Ooooooh... – E: – clap-clap-clap – palmas.
Queria
fazer igual. O problema é saber a hora de aplaudir e dizer ooooh. Um jogador
dava uma linda rebatida na bola, uma paulada vigorosa que a mandava para as
estrelas do céu azul-escuro de Boston e eu me entusiasmava todo. Estava pronto
para fazer ooooh, clap-clap-clap, mas olhava para o lado e o que via? Tédio.
Ninguém empolgado. Não havia acontecido nada de importante, ao contrário do que
eu imaginava. Só que, de repente, o cara dava uma rebatida igualzinha, a bola
subia na mesma direção, e todo mundo:
–
Oooooooh... clap-clap-clap.
Vá
saber...
Tentei
entender o que se passava acompanhando o placar eletrônico. Mas tinha um monte
de placares eletrônicos em volta do campo, cada um com números diferentes. Era
difícil até saber quem estava ganhando. Decidi ir comprar outro
cachorro-quente. É por isso que os americanos engordam.
AS
LUZES DE FELIPÃO
Quem
olha para o luminoso trabalho de Luiz Felipe no Grêmio, fica se perguntando:
–
Como um técnico desse quilate deixou o Brasil ser goleado pela Alemanha numa
Copa do Mundo disputada em solo brasileiro?
Durante
a Copa, antes da partida contra a Colômbia, escrevi um texto em que examinava a
situação daquele grupo de jogadores. Não que antecipasse a goleada, ninguém
poderia antecipar o que aconteceu. Não. Mas era visível o estado emocional
delicado dos jogadores.
O
Brasil tornou-se um país muito mais complexo do que era, digamos, nos anos 90.
É um país mais tenso e menos tolerante. Os jogadores passaram todo o tempo
cercados da cobrança e da expectativa dos brasileiros, sentiam a angústia de
seus familiares e amigos, que torciam por eles, e se espigavam com o sarcasmo e
a maldade dos que torciam contra eles. Não é por acaso que choravam ao cantar o
hino ou ao obter uma vitória difícil. Eles tinham de lidar com muitos sentimentos
represados.
Numa
situação dessas, qualquer time perde a naturalidade, e jogar com naturalidade é
essencial para um time de futebol.
Se
aquele mesmo time jogar contra a mesma Alemanha outras cem vezes, o resultado
não se repetirá uma única vez. A Alemanha vencerá a maioria das partidas,
porque é melhor. Mas não fará sete gols. O que ocorreu no Mineirão foi um
desastre, sobretudo de natureza emocional. O futebol é melhor jogado, e a vida
é melhor vivida, se há leveza. Um tanto da leveza do Brasil ficou lá atrás, em
algum lugar do século 20.