28
de maio de 2012 | N° 17083
KLEDIR
RAMIL
Diário de bordo – voltando pra
casa
Depois
de passar vários dias perdido em alto-mar, na companhia de um tocador de
pandeiro enjoado – nos dois sentidos, pois estava de ressaca –, fui recolhido
pela Guarda Costeira dos EUA e encaminhado para a penitenciária, sob a alegação
de ser imigrante ilegal, tentando entrar em Miami sem visto.
Esclarecido
o equívoco, com a ajuda fundamental do cônsul brasileiro, fui reconhecido como
um artista com vários serviços prestados à cultura popular brasileira, mas
principalmente à cultura norte americana, por ter gravado uma versão de uma
canção de Paul Simon. Que fui obrigado a cantar à capella, para o senhor juiz e
uma plateia atenta de policiais.
Num
ato de suprema caridade, assumi a responsabilidade pelo rapaz do pandeiro, de
quem não se tinha nenhuma referência. Falei que estava comigo, era meu parceiro
de longa data, músico da minha banda, havia gravado pandeiro na música do Paul
Simon... e o papo colou.
O
clima tinha pesado pro lado dele, porque o engraçadinho, na hora do interrogatório,
resolveu fazer piada com a língua de Shakespeare: “The Facebook is on the
table”. O juiz queria enquadrá-lo na lei de desacato à autoridade, o que lá pra
eles é pior do que xingar a mãe. Livrei a cara do fulano, por quem, a essas
alturas, eu já estava até sentindo uma certa simpatia. Uma coisa eu tenho que
reconhecer: passando tudo o que passamos, em nenhum momento o sujeito perdeu o
bom humor.
Acabei
dando um abraço nele e pedi desculpas por meus excessos, que haviam chegado a
agressões físicas. Meu novo amigo abriu um sorrisão: “Não esquenta, merrmão.
Como dizia o filósofo Kleber Bambam, faz parte”. Me deu um beijo na bochecha,
que eu recebi como uma manifestação de carinho e agradecimento.
Já
os policiais americanos, ficaram se olhando de canto de olho e pelos
comentários debochados – “Ah, Brazil... Brazil...” – deu pra entender que
insinuavam que nossa parceria não era apenas musical.
Não
importa. O que interessa é que consegui tomar um banho, me alimentar e fui
colocado neste voo, de volta pro Rio de Janeiro. Agora eu tô tranquilo.
Pedi
papel e caneta pra comissária de bordo e anotei uma ideia: “Nem bem delírio /
nem bem diário / enfim, revelações de um visionário”. Meu parceiro espichou o
olho e falou: “Isso dá samba”. Pensei em voz alta: “Se ficar bom, vou mandar
pro Paul Simon, pra ver se ele grava”.
(Continua)