Elio Gaspari
A leviana diplomacia do
espetáculo
A patrulha internacional que atacou Paraguai é
impertinente e só serve aos interesses da democracia chavista
POUCAS VEZES a diplomacia brasileira meteu-se numa
estudantada semelhante à truculenta intervenção nos assuntos internos do
Paraguai. O presidente Fernando Lugo foi impedido por 39 votos a 4, num ato
soberano do Senado.
Nenhum soldado foi à rua, nenhuma linha de
noticiário foi censurada, o ex-bispo promíscuo aceitou o resultado, continua
vivendo na sua casa de Assunção e foi substituído pelo vice-presidente, seu
companheiro de chapa.
Nada a ver com o golpe hondurenho de 2009, durante
o qual o presidente Zelaya foi embarcado para o exílio no meio da noite.
Quando começou a crise que levou ao impedimento de
Lugo, a diplomacia de eventos da doutora Dilma estava ocupada com a cenografia
da Rio+20.
Pode-se supor que a embaixada brasileira em
Assunção houvesse alertado Brasília para a gravidade da crise, mas foi a
inquietação da presidente argentina Cristina Kirchner que mobilizou o Brasil.
A doutora achou conveniente mobilizar os
chanceleres da Unasul, uma entidade ectoplásmica, filha da fantasia do
multilateralismo que encanta o chanceler Antonio Patriota.
As relações do Brasil com o Paraguai não podem ser
regidas por critérios multilaterais. Foi no mano a mano que o presidente
Fernando Henrique Cardoso impediu um golpe contra o presidente Juan Carlos
Wasmosy em 1996. Fez isso sem espetacularização da crise. A decisão de excluir
o Paraguai da reunião do Mercosul é prepotente e inútil.
Quando se vê que o presidente Hugo Chávez, da
Venezuela, cortou o fornecimento de petróleo ao Paraguai e que a Argentina foi
além nas suas sanções, percebe-se quem está a reboque de quem. Multilateralismo
no qual cada um faz o que quer é novidade. Existe uma coisa chamada Mercosul,
banem o Paraguai, mas querem incluir nele a Venezuela, que não está na região e
muito menos é exemplo de democracia.
Baniu-se o Paraguai porque Lugo foi submetido a um
rito sumário. O impedimento seguiu o rito constitucional. Ao novo governo
paraguaio não foi dada nem sequer a palavra na reunião que decidiu o banimento.
Lugo aceitou a decisão do Congresso e agora diz que
liderará uma oposição baseada na mobilização dos movimentos sociais. Direito
dele, mas se o Brasil se associa a esse tipo de política, transforma suas
relações diplomáticas numa espécie de Cúpula dos Povos. Vai todo mundo para o
aterro do Flamengo, organiza-se um grande evento, não dá em nada, mas
reconheça-se que se fez um bonito espetáculo.
O multilateralismo da diplomacia da doutora Dilma é
uma perigosa parolagem. Quando ela se aborreceu, com razão, porque um burocrata
da Organização dos Estados Americanos condenou as obras da hidrelétrica de Belo
Monte, simplesmente retirou do foro o embaixador brasileiro. A OEA é uma
irrelevância, mas para quem gosta de multilateralismo, merece respeito.
A diplomacia brasileira teve um ataque de nervos na
bacia do Prata. O multilateralismo que instrui a estudantada em defesa de Lugo
é típico de uma política externa biruta. O chanceler Antonio Patriota poderia
ter se reunido com o então vice-presidente paraguaio Federico Franco 20 vezes,
mas se a Argentina queria tomar medidas mais duras, ele não deveria ter ido
para uma reunião conjunta, arriscando-se ao papel de adorno.