terça-feira, 5 de setembro de 2017



05 DE SETEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

A avenida da muquiranagem

Você pode ser pobre sem ser muquirana. Até porque há muitos ricos que são muquiranas e muitos pobres que nunca o foram. A muquiranagem é pobreza, sim, mas de espírito. É o pensamento pequeno, que torna a vida mesquinha, quando não inútil.

Um exemplo: há pessoas morando debaixo do viaduto da Borges de Medeiros. Estão lá com suas colchas e seus colchões, com cachorros magros, carrinhos de supermercado e caixas de papelão.

Esse viaduto é um monumento da cidade, tão bonito, que já serviu de locação de filmes e comerciais. Foi construído na rocha maciça, dinamitada e esculpida até se formar essa obra de arte do urbanismo brasileiro.

No viaduto da Borges, ao contrário de muitos outros, há calçadas sob seus arcos, as pessoas caminham guardadas por sua sombra. Lá há espaço para lojas, cafés e tabacarias. Foi obra feita também para o pedestre, não apenas para o automóvel.

O viaduto da Borges devia ser uma atração de Porto Alegre, mas foi privatizado por um grupo de mendigos.

Quando o poder público permite essa distorção, age movido pela muquiranagem. Porque, aparentemente, está resolvendo a situação de 10 ou 20 mendigos, quando, na verdade, está prejudicando milhões. Pior: como as lojas e cafés não funcionam devido à sujeira e à falta de segurança, perde-se em arrecadação de impostos e em empregos. Ou seja: quem mais sofre é o pobre que o poder público jura atender.

O mesmo se dá em diversas praças importantes da cidade, elas também privatizadas por grupos de sem-teto. Quem é que frequenta as praças? Quem mais aproveitaria a praça e os locais públicos da cidade para seus momentos de lazer? Não é o rico: é o pobre. O rico vai para Punta, para Florianópolis, para o Rio ou para Gramado, o rico se homizia em seu condomínio com playground e churrasqueira, o rico se esbalda na piscina do clube. Ao pobre restam as praças e os parques, as margens do rio e os lugares bonitos como o Centro, a Cidade Baixa ou o viaduto da Borges. Mas o pobre não pode ir a esses lugares com sua família, porque lá não há segurança. Lá, o que há é lixo.

Você entende o mecanismo cruel da muquiranagem? Ninguém ganha com ela. O poder público não enfrenta realmente o problema dos sem-teto. É claro que eles não têm de ser relegados ao abandono - um país que promove injustiças históricas, como o Brasil, precisa de programas sociais e de inclusão. Mas deixar que se assenhorem de áreas públicas não resolve o problema deles e cria novos problemas para todos os outros.

Escrevi, dias atrás, sobre produzir fontes de riqueza para a cidade, criando áreas onde quem tem dinheiro possa gastá-lo, abrindo empregos para os pobres e gerando impostos que servirão aos pobres. Escrevi, logo depois, sobre a situação triste e vergonhosa da Rua da Praia, tomada por camelôs e contêineres de lixo. Escrevo hoje sobre as praças e o belíssimo viaduto da Borges, que se tornaram propriedade privada de alguns poucos. Poderia continuar escrevendo pelo mês inteiro a respeito das mazelas da cidade. Todas essas questões são a mesma questão: a pretensão de apresentar uma solução fácil para um problema complexo, a falta de coragem do poder público de fazer o que é certo para todos ainda que em detrimento de uns.

Porto Alegre é uma cidade bonita, cheia de predicados, amassada pela mesquinhez intelectual, pela ideologização burra, pela falta de ousadia, pela apatia. Olhe para os senhores vereadores. Eles estão preocupados com o nome da avenida que dá acesso à Capital, esse é o grande debate da Câmara. Agora me diga você: que diferença fará se aquela avenida se chamar Legalidade, Castelo Branco ou Pato Donald?

Tenho uma sugestão: coloquem Avenida da Muquiranagem. Seria uma homenagem à forma como nossas lideranças conduzem as questões de Porto Alegre.

DAVID COIMBRA