quinta-feira, 16 de abril de 2020



15 DE ABRIL DE 2020
NÍLSON SOUZA

O vírus da discriminação

Socorro! Querem exterminar os velhos! Primeiro, quero confessar que, mesmo caminhando e correndo seis quilômetros todas as manhãs, nunca me senti tão Matusalém como estou me sentindo nestes tempos de pandemia. Nem tão discriminado. A começar pelo vírus coroado, que parece mesmo ter preferência por pessoas com menor resistência imunológica - entre parênteses, idosos e portadores de enfermidades crônicas. Mas daquela bolotinha repugnante ampliada no plano de fundo dos telejornais até se poderia esperar uma perseguição tão insidiosa. Insuportável é a discriminação que vem sendo feita por nossos semelhantes.

Outro dia, numa saída obrigatória do isolamento, parei numa faixa de segurança para um jovem atravessar a rua, embora o sinal estivesse aberto para mim. Ele passou lentamente, olhou com ar debochado para a minha barba branca e gritou:

- Vai pra casa, vovô!

Tudo bem, podia ser apenas uma brincadeira. Mas tenho constatado, neste momento caótico da humanidade, alguns projetos voltados para o constrangimento e até mesmo para o extermínio de idosos. Psicopatas mais assumidos chegam a dizer claramente:

- Vamos voltar logo à vida normal. Não dá nada. É só uma gripezinha. Talvez morram alguns velhinhos, mas eles já iam morrer em breve mesmo.

Outros, disfarçando a verdadeira intenção de se livrar do que consideram estorvos, exigem a adoção imediata do tal isolamento vertical, que parece ser apenas um eufemismo para a nossa segregação definitiva. Sob o pretexto de proteger os idosos, querem mantê-los aprisionados por tempo indeterminado - sem considerar que tempo é vida para essa turma de maior rodagem.

É uma virada desnorteante. Antes desta turbulência planetária, os marqueteiros do admirável mundo antigo - de olho na renda dos aposentados, provavelmente - apregoavam a tese de que os 60 eram os novos 40. Pipocavam por toda parte os anúncios com homens e mulheres de cabeça prateada namorando, dançando, praticando esportes, como se o elixir da juventude fosse mais comum e milagroso do que a cloroquina. De repente, sexagenários e subsequentes viraram grupo de risco, obstáculos à retomada da normalidade, na melhor das hipóteses relíquias a serem preservadas em formol no museu do esquecimento.

Jovens da minha pátria, o vírus não precisa de cúmplices.

Somos gratos aos que desejam realmente nos proteger, mas queremos usar nossas cabeças brancas - que já pesquisam, curam, ensinam, cuidam, escrevem, administram negócios e nações - para sairmos juntos desta encrenca. Em tempo: faço minhas caminhadas no meu próprio pátio, em redor da casa.

NÍLSON SOUZA

Nenhum comentário:

Postar um comentário