quarta-feira, 2 de dezembro de 2020


02 DE DEZEMBRO DE 2020
ARTIGOS

A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Vice-presidente do TRF4 laurvalle@hotmail.com

"O período entre o nascimento de Péricles e a morte de Aristóteles é o mais notável da história do mundo" (Will Durant, História da Civilização). O "século de Péricles" lançou no solo da civilização ocidental a semente da democracia, ainda que restrita a pouquíssimos cidadãos. Somente tinham direito à cidadania os filhos de atenienses livres, o que representava um universo de 43 mil cidadãos, numa população de 315 mil pessoas, excluindo-se mulheres, escravos, estrangeiros e os trabalhadores manuais.

"O método de eleição para a escolha dos arcontes foi substituído pelo sorteio; era preciso descobrir um meio de impedir os ricos de alcançarem o cargo pelo dinheiro. Os sorteados eram submetidos a um rigoroso exame de caráter e deviam provar filiação ateniense de ambos os lados, ausência de defeitos físicos e de conduta escandalosa, cumprimento dos deveres militares e quitação de impostos".

Passados vinte e cinco séculos, as preocupações relativas à boa escolha de administradores públicos não evoluiu tanto. Se é verdade que, nos dias atuais, os ricos não almejam a ocupação de cargos, o financiamento das campanhas milionárias elege seus prepostos. Quanto ao caráter, o controle é feito pela lei de improbidade administrativa.

Triste constatar que, embora seja uma lei que se tenha mostrado efetiva na moralização da atividade pública, et pour cause, encontra-se em vias de ser flexibilizada, para dizer o menos. Em projeto em tramitação, quer-se excluir de sua tipicidade as condutas culposas causadoras de dano ao erário, tornando-a, assim, mais leniente com o malfeito do que a própria legislação penal, que admite, em alguns casos, o crime culposo. Quer-se também retirar de sua abrangência as violações aos princípios da administração pública. Esta última alteração expungiria do controle da improbidade, por exemplo, o agente torturador ou praticante de nepotismo. Ainda, o projeto impossibilita indisponibilidade de bens já no início da lide e setoriza a improbidade: o declarado ímprobo na esfera municipal poderá continuar a contratar com o poder público nas demais esferas. É a desonestidade geográfica.

Se aprovadas essas alterações, teremos de admitir que, há 25 séculos, era mais difícil galgar um cargo público do que nos dias atuais. 

LUÍS ALBERTO DAZEVEDO AURVALLE

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