quarta-feira, 2 de dezembro de 2020


02 DE DEZEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

O que os bandidos de Criciúma não são capazes de roubar

É perturbador você saber que fatos dramáticos ou trágicos ocorreram em cenários que lhe trazem lembranças agradáveis. Isso tem acontecido comigo com maior frequência do que gostaria nos últimos tempos. Agora mesmo, nesta segunda-feira, houve aquele ataque de bandidos a Criciúma.

Bem.

Essa cidade, eu a adotei como minha, lá vivem pessoas que amo e que me são caras. Então, no momento em que soube de detalhes da ação da quadrilha, fiquei horrorizado. Mas, em seguida, quando me contaram sobre os locais em que os fatos se passaram, senti certa nostalgia. A agência do Banco do Brasil que foi assaltada, por exemplo, situa-se ao lado do Varandas, um dos bares que mais frequentei na época. A comida do Varandas era saborosa e honesta, e a cerveja estava sempre gelada no ponto certo - branquinha, tinindo, mas nunca empedrada.

Essas qualidades garantiram tanto sucesso ao dono do Varandas, o Nenê, que ele comprou aquele que foi talvez o mais famoso restaurante da história da cidade, o Recanto do Fritz.

O Fritz era de propriedade de um alemão chamado Claudio Ends, que se orgulhava de ser cozinheiro premiado em concursos internacionais de culinária. De fato, seus pratos eram inigualáveis. Os melhores lombinhos à moda russa que provei na vida foram preparados pelas mãos germânicas do Claudio Ends. Além disso, o Claudio tirava um chope de um jeito que dava vontade de aplaudir quando sorvíamos o primeiro gole. Só que nunca parávamos no primeiro gole. Nem no primeiro copo. Nem no segundo. Continuávamos no Fritz até as três ou quatro horas da madrugada, eu e amigos jornalistas, médicos, advogados e políticos, discutindo sobre a vida, os amores, o futebol e a melhor maneira de salvar o Brasil. Resultado: não salvei o Brasil, mas cresci. Para os lados: quando entrei no Fritz pela primeira vez, pesava 64 quilos, um magricela. Quando saí pela última, pesava 90, um pré-gordo.

Os ladrões dispararam dezenas de tiros no par de quadras entre o Fritz e o Varandas. Depois, rumaram para Nova Veneza, uma graciosa cidadezinha de colonização italiana, linda, típica e pacata como uma tarde de domingo. No interior do município, no meio da mata, está incrustado o Balneário Ghellere. Lá, uma família da região administra um restaurante italiano que foi erguido entre as árvores, à beira do riacho. No menu, entre outros quitutes, ponteia a deliciosa fortaia, tipo de omelete de queijo que não é muito conhecido pelos descendentes de italianos do Rio Grande do Sul.

Nos sábados, o nosso time, o célebre Abraço FC, alugava um ônibus para jogar no Ghellere. Fazíamos a apresentação do nosso futebol-arte no campinho do restaurante e, depois, atacávamos as fortaias com a fome de campeões. Bons tempos gastronômico-desportivos.

Hoje, o Varandas não abre à noite, e o Fritz não existe mais, mas me contaram que o Ghellere continua servindo suas delícias da culinária ítalo-brasileira. Se você visitar a região, pode provar uma fornida fortaia enquanto ouve o som relaxante do canto dos passarinhos e do riacho correndo entre as pedras. Será uma experiência única, uma lembrança que nem a mais organizada quadrilha de assaltantes de banco é capaz de roubar.

DAVID COIMBRA

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