quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024


Torre de Babel revisitada

A Torre de Babel não deu certo. Os homens, reunidos num objetivo de alcançar o céu por uma edificação, foram castigados por Deus pela soberba - no sentido de orgulho, arrogância, audácia e insolência. Por isso, perdemos a língua única e nunca mais nos entendemos.

Isso é do tempo em que Deus pegava pesado conosco. Mas vale a lição, o desmedido não Lhe agrada. E nada de atalhos, o céu é para depois da morte e para quem teve vida virtuosa.

De qualquer forma, estar perto do céu segue como sinal positivo. Espigões fascinam. Morar no alto é prestígio. Estar acima dos outros marca poder.

Faz pouco, a Justiça Federal suspendeu, até julgar o mérito, que seja construído um edifício de mais de 40 andares na Duque de Caxias. Com sua altura, faria sombra à Catedral e ao Palácio Piratini. Esteticamente seria como um pé de milho num jardim de flores, destoando do entorno.

Mas minha questão é o simbolismo que revela a hierarquia dos poderes. Antigamente, a edificação mais alta de uma cidade era a igreja. Depois foram os prédios públicos que exibiram imponência. Agora é a vez da iniciativa privada, no caso as construtoras, dizer quem manda no pedaço e quem vai ficar à sombra.

Dias atrás, o Cais Mauá - agora emasculado de seus guindastes - ficou nas mãos de uma parceria público-privada. O governador Leite disse que se sentiu seguro com a proposta vencedora deste leilão de um só concorrente. Mas não sabemos se é a mesma segurança que teve quanto à Equatorial, que assumiu a CEEE-D.

Em 2010, no governo Yeda Crusius, passamos por algo semelhante com o cais, que não deu em nada. Agora uma nova aposta, com um pessoal que ninguém sabe quem é e o que já fez. Ilustrações do futuro projeto preveem torres de prédios na parte norte do lote.

No ano passado, aquele lugar inundou duas vezes. Que sentido tem construir onde a natureza anda pedindo a devolução do seu espaço? Esses eventos meteorologicamente anormais tendem a se repetir, talvez com mais força e frequência.

Nós não somos a Holanda, que vitalmente necessitava vencer as águas. Porto Alegre tem espaço, menos no Centro, que sofre com engarrafamentos também porque o acesso é apenas por um lado, o Guaíba limita 180 graus de acesso.

Espero estar errado, quero o melhor para a cidade, mas a construção dessas torres me soa um arrogante desafio às águas e ao bom senso. Torres de Babel de que Porto Alegre não precisa, nem merece.

MÁRIO CORSO

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