sábado, 2 de agosto de 2014


02 de agosto de 2014 | N° 17878
PAMPIANAS | VINÍCIUS BRUM

O FRIO E AS CANÇÕES DO SUL

Assisti na semana passada ao documentário A Linha Fria do Horizonte, dirigido pelo curitibano Luciano Coelho, que procura compor um painel sobre a música feita no sul do continente a partir da visão plasmada, principalmente, pelo gaúcho Vitor Ramil e pelo uruguaio Jorge Drexler. A elaboração teórica produzida por Vitor no ensaio A Estética do Frio e o conceito “Templadismo” (contraponto ao “Tropicalismo” baiano dos anos 1970) formulado por Drexler, em função do clima temperado cá do paralelo 30, são os fios condutores da narrativa que procura mapear a produção musical de artistas que comungam dessa visão estética que aproxima sul-rio-grandenses, uruguaios e argentinos.

Os dois cantautores brincam imaginando o lugar de onde ambos são originários, a “Ilexlândia” (a terra do mate). A milonga é o gênero que os une. O frio, a sua contingência. A mistura de elementos do folclore, do samba, da bossa nova, do rock e do universo pop dá o tom dessa contemporaneidade. Um belo documentário sobre a canção sulina.

Esta sagração da milonga como um bem estético que desconhece as fronteiras pode ser encontrada na obra de Luiz Menezes lá pelos anos 1960: “velha milonga argentina, uruguaia e brasileira, contrabandeaste a fronteira na alma dos pajadores, sempre a falar dos amores na tua rima baguala, se diferente na fala, no cantar de cada um, tens esta pátria comum, no pampa todos iguala”.

Raul Ellwanger também transitou por essas plagas, intercambiando elementos culturais e musicais. Misturou samba e milonga na canção O Gaúcho, finalista do festival da TV Excelsior em 1968. E mais, verteu para o português o clássico Solo le Pido a Dios do argentino León Gieco e gravou com Mercedes Sosa e Pablo Milanés. Nos anos 1980, no Musicanto Sul-americano de Nativismo (Santa Rosa – RS), Neto Fagundes dava voz à Brasilhana, do argentino Talo Pereyra e do gaúcho Robson Barenho. Mais uma vez se misturava a milonga ao samba.


Luiz Carlos Borges cruzou o rio Uruguai ainda menino e até hoje vai além das fronteiras com “a alma atada na gaita”: cantou com Mercedes Sosa, gravou o CD Con mis Amigos Argentinos e milongueou, entre tantos, com Humberto Gessinger e Juan Falu. Bebeto Alves desde Que se Pasa até Milonga Orientao exercita a excelência da milonga. Caberiam ainda muitos outros nesta relação: todos filhos do sul, do frio e do mate!