02
de agosto de 2014 | N° 17878
NÍLSON SOUZA
BARBEIRAGENS
Meu
exercício preferido no trânsito é ler pensamentos. Como atravesso a cidade
diariamente, pois moro a cerca de 20 quilômetros do meu local de
trabalho, tenho a oportunidade de avaliar o que podem estar pensando dezenas de
outros motoristas que encontro pelo caminho. Antes que me tomem por charlatão
ou pretensioso, já vou avisando que se trata de uma simples observação de
leigo, sem outro uso que não seja a adoção de alguma atitude autodefensiva no
inevitável entrevero de veículos que eu e eles protagonizamos todos os dias nas
ruas da cidade. Vamos aos exemplos:
O
que deve pensar o cidadão que para em fila dupla para deixar a mulher na porta
da loja, sem se importar com o transtorno causado aos demais na hora de maior
movimento?
–
Esperem um pouco. Não vou demorar. O que me importa é o conforto da minha
família. Azar de quem se incomodar.
E o
homem do caminhão do lixo, que tranca ruas inteiras, algumas vezes sem visível
necessidade?
–
Estamos trabalhando. Vocês devem estar passeando. E aquele sujeito que você vê
pelo retrovisor, colado na traseira do seu carro, buscando desesperadamente uma
brecha para ultrapassar:
–
Sai da frente, pamonha! E o espertinho que não suporta esperar no
engarrafamento e avança pela direita, às vezes pelo acostamento?
–
Todos são trouxas, vou chegar antes deles.
Tem
também o motorista inseguro, que vai dobrar à esquerda na avenida e cola no
canteiro central a dois quilômetros do local, obrigando os demais a
ultrapassá-lo pela direita:
– Se
saio daqui, depois não consigo voltar.
E o
homem do lotação, abrindo caminho a fininhos e aceleradas: – Saiam! Saiam!
Tenho horário para cumprir.
De
vez em quando, o distraído ou a distraída que aproveita o semáforo para mandar
mensagem de texto ou retocar a maquiagem, mas se irrita ao ouvir uma buzina:
–
Calma, apressado!
Não
esqueçamos do homem que acelera quando percebe que o sinal vai fechar, mesmo
estando distante e com tempo para frear:
– O
amarelo é meu! E tem todos aqueles que passam por mim e me lançam um olhar
acusador, como se estivessem dizendo:
–
Esse sujeito fica cuidando dos outros e não percebe as suas barbeiragens.