03
de agosto de 2014 | N° 17879
L.F. VERISSIMO
Blanquette de veau
–
Mmm. Blanquette de veau...
–
Gosta? – É meu prato preferido.
– Eu
sei. – Sou um especialista em blanquettes de veau.
– Eu
sei. – Acho que o teste de um bom cozinheiro, ou de uma boa cozinheira, é a
blanquette de veau. E não tenho paciência com quem se mete a fazer blanquettes
de veau sem saber como. Certa vez, fechei um restaurante com a minha crítica ao
seu blanquette de veau. O dono leu a minha crítica e fechou o restaurante no
mesmo dia. Ouvi dizer que ele se suicidou.
– É
verdade. – Um crítico gastronômico precisa ser implacável. Senão os
incompetentes – ou, pior, os pretensiosos – tomam conta.
–
Espero que o senhor aprove a minha blanquette.
– A
senhorita sabe, claro, que eu não deveria estar aqui. Como crítico
gastronômico, não posso aceitar convites como o que me fez. Mas não pude
resistir.
–
Talvez o meu decote o tenha convencido.
–
Certamente ajudou.
–
Mas coma, coma... Quero ver se o seu paladar é mesmo aguçado como dizem. Minha
blanquette tem alguns ingredientes incomuns...
–
Mmmm... Vamos ver. Não posso fazer feio. Detecto o vinho branco seco de qualidade,
como convém... A vitela e o creme no ponto... Manteiga, farinha, perfeito. E um
certo gosto forte de... sal do Himalaia?
–
Cinza. – Cinza?!
– As
cinzas do meu pai, que foi cremado depois de se suicidar por causa da sua
crítica.
–
Cinza. Interessante. Mas há algo mais... Eu diria...Tomilho?
–
Não. – Estragão? – Veneno.
–
Veneno. Claro. Esta não é uma blanquette de veau, é uma vingança.
–
Acertou. – Eu deveria ter desconfiado do decote...