03
de agosto de 2014 | N° 17879
VIDA
INTERIOR | Diana Corso
Posta Restante
ESTOU
COM O problema dos filhos órfãos: preciso descobrir como dar uma notícia
urgente para meu pai
Quando precisamos enviar uma carta para alguém que
não tem como indicar um endereço para recebê-la, a destinamos à Posta Restante.
Dessa forma, ela vai para a agência de correios da região mais próxima e
espera-se que o destinatário vá buscá-la. Vou ter de lançar mão desse recurso,
porque é quase Dia dos Pais e preciso urgentemente dar uma notícia importante
para o meu.
Acontece
que ele se foi para sempre. Estou com o problema dos filhos órfãos, mesmo que
tardios, que sequer possuem uma Posta Restante para usar. Há órfãos da vida
toda, mas, seguindo o curso natural, esse desamparo próprio da orfandade acaba
chegando para todos. Nesses casos, precisamos utilizar a imaginação, travar
diálogos na fantasia para contar as novidades.
Queria
muito contar ao meu pai que seu neto, meu sobrinho portenho, acabou de se
formar. Ele agora é o segundo psicólogo da sua geração na família. Como fazemos
quando os pais já não têm como ficar sabendo dessas coisas?
Sei
que há progenitores indignos de serem chamados de pais, que são narcisistas,
malucos, destrutivos ou indiferentes à vida dos filhos. Por sorte, são minoria.
Já os que vestiram a camiseta da paternidade são os maiores entusiastas,
interessados nas gracinhas iniciais, assim como nas conquistas posteriores das
suas crias. Ao longo da vida, teremos de dar jeito de angariar novos públicos:
amigos, amores, colegas, filhos, mas com os pais já temos a garantia, de saída,
de uma plateia inicial.
Pior,
que fazer conosco nos dias de homenagem, quando não há a quem presentear? Há
substitutos: figuras paternas que nos inspiraram, nos cuidaram ou nos amaram,
mas o tempo vai nos roubando também a estes, deixando-nos à deriva, como uma
carta sem endereço.
Com
meu pai, nos últimos anos, desenvolvemos uma forma intimista de comemoração: em
alguma hora do domingo, íamos a um café conversar e passávamos a vida a limpo.
Era um engenheiro, homem de relatórios, objetivos claros. A formatura desse
neto estava entre suas metas, iria alegrar-se muito, mas para onde mando o
relato minucioso do evento?
Nossa
forma de celebração servia para lembrar que a vida dos filhos é o melhor
presente para seus pais. Muito mais difícil de oferecer do que um objeto de
loja, é a continuação de seus ideais que eles gostariam de receber em troca do
tanto que sonharam em nós. Embora esse tipo de oferenda pareça uma missão
irrealizável, na verdade a falta dela acaba sendo muito mais difícil de
suportar. Pais são aqueles a quem destinamos nossas notícias, enquanto os
filhos são os remetentes. De um jeito ou de outro, sempre resta algum lugar
para onde postar. Mesmo que seja nos pensamentos.
Diana
Corso é psicanalista e escreve quinzenalmente neste espaço, em rodízio com o
pesquisador Ronaldo Mota.