03
de agosto de 2014 | N° 17879
FABRÍCIO
CARPINEJAR
A culpa é das
nuvens
Sou
partidário de não chorar no cinema.
Não
choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.
É
muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair.
Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.
É um
dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino
militar.
Faço
questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para
exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma
doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o
convite na hora.
Choro
com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.
Eu
fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava
antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do
truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais
passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.
Aprendi
a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações
nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a
primeira lágrima.
Além
de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de
plásticas no futuro.
Tampouco
teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o
espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel
e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é
desmerecer o trabalho de uma profissional.
Começaria
também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho
que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da
sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para
descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).
Você
deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo,
perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural
feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado
cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.
Deixe
a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer
mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja
abusado.
Não
tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da
imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu
interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios
simpáticos para a atração física.
Não
tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao
estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição
hormonal.
A
Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário.
Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.
Vá
lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.