sábado, 2 de agosto de 2014


03 de agosto de 2014 | N° 17879
FABRÍCIO CARPINEJAR

A culpa é das nuvens

Sou partidário de não chorar no cinema.

Não choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.

É muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair. Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.

É um dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino militar.

Faço questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o convite na hora.

Choro com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.

Eu fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.

Aprendi a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a primeira lágrima.

Além de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de plásticas no futuro.

Tampouco teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é desmerecer o trabalho de uma profissional.

Começaria também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).

Você deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo, perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.

Deixe a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja abusado.

Não tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios simpáticos para a atração física.

Não tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição hormonal.

A Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário. Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.


Vá lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.