04 de agosto de 2014 | N° 17880
L. F. VERISSIMO
Fiu-fiu
Lançaram agora um celular à prova d’água, que você pode usar
no chuveiro. Ou em qualquer outro lugar embaixo d’água. No mar, por exemplo.
– Bem, não me espere para o jantar... – Onde você está?
– Sabe a nossa pesca submarina? – O que houve?
– Pensei que fosse uma garoupa e era um tubarão. E ele está
vindo na minha direção.
– Você ainda está embaixo d’água?!– Estou. – E o seu arpão? – O tubarão engoliu!
– Ligue para a Guarda Costeira!
São cada vez mais raros os lugares em que você pode se ver
livre de celulares, e agora nem as piscinas estão seguras.
Os celulares são práticos e se tornaram indispensáveis, eu
sei, mas empobreceram a vida social. Existe coisa mais melancólica do que uma
mesa com quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus
smartphones e uma está falando sozinha? Ou um casal em outra mesa, os dois
mergulhados nos respectivos celulares sem nem se olharem, ou que dirá se
falarem – a não ser que estejam trocando mensagens silenciosas entre si, o que
é ainda mais triste?
Os celulares podem ser perigosos de várias maneiras, mesmo
que não derretam o cérebro como andou se espalhando há algum tempo. Imagino uma
velhinha que ganhou um celular dos netos sem que estes se dessem ao trabalho de
explicar seu funcionamento para a vovó.
Não contaram, por exemplo, que o celular dado assovia quando
recebe uma mensagem. É um assovio humano, um nítido fiu-fiu avisando que alguém
ligou, e que pode soar a qualquer hora do dia ou da noite.
E imagino a vovó, que mora sozinha, dormindo e, de repente,
acordando com o assovio. Um fiu-fiu no meio da noite! A vovó, se não morrer
imediatamente do coração, pode ficar apavorada. Quem está lá? Um ladrão ou um
fantasma assoviador? E o assovio tem algo de galante.
A vovó pode muito bem sair da cama, sem saber se está
acordada ou sonhando, e caminhar na direção do fiu-fiu sedutor, como se
tivessem vindo buscá-la. Alguém pensou nas vovós solitárias quando inventou o
assovio?
O fato é que não há mais refúgio. Nem castelos
anti-smartphones com um fosso em volta. Eles agora podem atravessar o fosso.