12
de agosto de 2014 | N° 17888
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
O CARA DE
PERUCA
Ao
viajar, é fatal que a cabeça atue por comparação e contraste, essas duas
modalidades-mãe do conhecimento. Esquinas diferem entre si, árvores não são
iguais, pavimentos apresentam diferente aspecto, mas as marcas de produtos se
repetem, o programa infantil que minha filha vê é o mesmo que via em Porto
Alegre e é igual a rotina essencial da vida, dormir, tomar banho, comer, andar,
tomar providências.
Ando
assim em escala abrangente, por estar vivendo noutra cidade e noutra língua, em
Paris. Ainda me sinto turista, pelos poucos dias de chegada, nem mesmo o bairro
conheço, mas me reconforto quando percebo já ter a minha estação do metrô, ou
já preferir esta fruteira àquela.
Estava
assim esses dias, pensando sobre a força da mudança de hábito, quando, ao sair
do vagão do metrô, me cruza o caminho um cara de peruca. Um senhor de peruca, é
mais preciso dizer. Fez a curva de um túnel de ingresso à estação, nos vimos de
relance, e ele, como diziam os antigos romances, estugou o passo para alcançar
o trem em direção a seu destino, que não sei, nunca vou saber qual era, qual é.
Lá foi ele, cá fiquei eu com a imagem e o pequeno susto.
Era
um cara de peruca. Discreta, mas peruca. Sabe como é um? Não tem como deixar de
ver. Ele acha que fica legal, e eu nada tenho contra essa sensação. A cor
difere do cabelo natural, mas tudo bem, ele se acha ok.
E eu
pensei, sem relação clara com a peruca: que língua fala esse cara? Não é a
minha, provavelmente, mas é bem possível que ele não seja nativo da língua
deste país.
Mas
nada importa, no fundo. Era apenas um cara de peruca, que com ela deu um jeito
que lhe pareceu bom na fachada, talvez voltando para a família após um dia de
trabalho honesto, ou um contrabandista querendo livrar a cara, ou um
clandestino a perigo na rua. Também não importa. Era um sujeito como eu,
andando por aí enquanto respira e toma providências.