terça-feira, 12 de agosto de 2014


12 de agosto de 2014 | N° 17888
LUÍS AUGUSTO FISCHER

O CARA DE PERUCA

Ao viajar, é fatal que a cabeça atue por comparação e contraste, essas duas modalidades-mãe do conhecimento. Esquinas diferem entre si, árvores não são iguais, pavimentos apresentam diferente aspecto, mas as marcas de produtos se repetem, o programa infantil que minha filha vê é o mesmo que via em Porto Alegre e é igual a rotina essencial da vida, dormir, tomar banho, comer, andar, tomar providências.

Ando assim em escala abrangente, por estar vivendo noutra cidade e noutra língua, em Paris. Ainda me sinto turista, pelos poucos dias de chegada, nem mesmo o bairro conheço, mas me reconforto quando percebo já ter a minha estação do metrô, ou já preferir esta fruteira àquela.

Estava assim esses dias, pensando sobre a força da mudança de hábito, quando, ao sair do vagão do metrô, me cruza o caminho um cara de peruca. Um senhor de peruca, é mais preciso dizer. Fez a curva de um túnel de ingresso à estação, nos vimos de relance, e ele, como diziam os antigos romances, estugou o passo para alcançar o trem em direção a seu destino, que não sei, nunca vou saber qual era, qual é. Lá foi ele, cá fiquei eu com a imagem e o pequeno susto.

Era um cara de peruca. Discreta, mas peruca. Sabe como é um? Não tem como deixar de ver. Ele acha que fica legal, e eu nada tenho contra essa sensação. A cor difere do cabelo natural, mas tudo bem, ele se acha ok.

E eu pensei, sem relação clara com a peruca: que língua fala esse cara? Não é a minha, provavelmente, mas é bem possível que ele não seja nativo da língua deste país.


Mas nada importa, no fundo. Era apenas um cara de peruca, que com ela deu um jeito que lhe pareceu bom na fachada, talvez voltando para a família após um dia de trabalho honesto, ou um contrabandista querendo livrar a cara, ou um clandestino a perigo na rua. Também não importa. Era um sujeito como eu, andando por aí enquanto respira e toma providências.