ELENA
LANDAU - TENDÊNCIAS/DEBATES
Às escuras
O
governo, em sua realidade paralela, diz que há energia sobrando. Trabalha como
se o planejamento funcionasse de acordo com seu Power Point
O
setor elétrico está vivendo uma crise sem precedentes, consequência da intervenção
desastrosa do governo via medida provisória nº 579. A seca apenas agravou o desequilíbrio
criado com a mudança nas regras contratuais e o cancelamento do leilão de
energia no final de 2012.
O nível
dos reservatórios é só mais um resultado da política populista que estimulou o
consumo mesmo frente aos evidentes sinais de problemas na oferta. Em pouco mais
de dois anos, o setor acumula desequilíbrios financeiros acima de R$ 100 bilhões
e a Eletrobras se inviabilizou, sem que isso pudesse impedir aumentos
extraordinários de tarifas em 2014 e 2015.
A MP
579 conseguiu algo quase impossível: fazer todos perderem ao mesmo tempo. Consumidores,
concessionárias, acionistas e contribuintes estão piores do que estavam em 10
de setembro de 2012.
Enquanto
isso, o governo, em sua realidade paralela, diz que há energia sobrando no
sistema. Trabalha num mundo em que o planejamento funciona como no seu Power
Point, esquecendo-se de que, por conta de falhas na gestão e na fiscalização, vários
empreendimentos não entraram em funcionamento.
Trata
dos atrasos nas licenças como se órgãos ambientais fossem ONGs fora do controle
do Executivo e lava as mãos. Vive num mundo em que o acionamento da totalidade
das térmicas de forma contínua é natural, independentemente de custos econômicos
ou ambientais. Onde os avisos e alarmes regulatórios criados para limitar o
risco de deficit são ignorados.
Ano
passado, e de novo em janeiro deste ano, o custo marginal de operação atingiu o
nível de alerta que recomenda um corte de 5% na carga do sistema. A tradição no
setor é esperar o fim do período úmido para decidir atuar sobre a demanda de
energia e evitar um racionamento desnecessário.
Abril
chegou e o resto de 2014 passou com as condições climáticas se agravando sem
reação do Operador Nacional do Sistema Elétrico ou do órgão regulador --que
deveriam atuar de forma independente da agenda política do governo, mas não o
fizeram. A situação de hoje era totalmente previsível.
Não é
preciso tirar as crianças da sala para falar em racionamento. Ninguém gosta e
ninguém quer, mas é obrigação do governo estar preparado para situações críticas
como a atual. Quanto mais tarde começar a atuar, mais profunda será a crise.
Em 2001
foi criada uma instância de gestão para enfrentar a crise, juntando governo e
sociedade. Não só introduziu um sistema de incentivos que gerou uma queda no
consumo e mudança de hábitos, como mudou o setor. Em 2003 a equipe atual recebeu de herança
uma sobre oferta de 7.000 megawatts e um programa de termelétricas e energia
alternativa em implementação.
Dez
anos se passaram e uma sequência de erros gerou um cenário de escassez e alto
endividamento. O governo só oferece paliativos, como o corte seletivo e não
programado de energia. Uma política ineficiente e injusta, que não dá ao usuário
a chance de administrar seu consumo, atingindo consumidores eficientes e perdulários
igualmente.
Agora
acena, sem dar detalhes, com uma campanha de racionalização e anuncia soluções
descoordenadas para aumentar a oferta.
Nada
sugere um plano de ação definido. A precária situação financeira das empresas,
criada pelo próprio governo, também não parece fazer parte da agenda.
Oferecer
incentivos para tornar a operação do sistema elétrico mais limpa, barata e
eficiente deve ser objetivo permanente, e não apenas uma resposta à crise atual.
Recuperar a confiança dos investidores com estabilidade e transparência nas
regras também é crucial. Sem isso, investimentos não voltarão.
Antes
de tudo é preciso reconhecer que a crise existe e que é grave, além de,
especialmente, mostrar respeito às opiniões dos agentes do setor, evitando que
empresas e consumidores sejam mais uma vez prejudicados com decisões
unilaterais do governo. Talvez a maior lição de 2001 tenha sido a importância
do diálogo. Este governo, infelizmente, prefere falar sozinho.
ELENA
LANDAU, 56, é sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes e presidente do
Instituto Teotonio Villela do Rio