sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015


ELENA LANDAU - TENDÊNCIAS/DEBATES

Às escuras

O governo, em sua realidade paralela, diz que há energia sobrando. Trabalha como se o planejamento funcionasse de acordo com seu Power Point

O setor elétrico está vivendo uma crise sem precedentes, consequência da intervenção desastrosa do governo via medida provisória nº 579. A seca apenas agravou o desequilíbrio criado com a mudança nas regras contratuais e o cancelamento do leilão de energia no final de 2012.

O nível dos reservatórios é só mais um resultado da política populista que estimulou o consumo mesmo frente aos evidentes sinais de problemas na oferta. Em pouco mais de dois anos, o setor acumula desequilíbrios financeiros acima de R$ 100 bilhões e a Eletrobras se inviabilizou, sem que isso pudesse impedir aumentos extraordinários de tarifas em 2014 e 2015.

A MP 579 conseguiu algo quase impossível: fazer todos perderem ao mesmo tempo. Consumidores, concessionárias, acionistas e contribuintes estão piores do que estavam em 10 de setembro de 2012.

Enquanto isso, o governo, em sua realidade paralela, diz que há energia sobrando no sistema. Trabalha num mundo em que o planejamento funciona como no seu Power Point, esquecendo-se de que, por conta de falhas na gestão e na fiscalização, vários empreendimentos não entraram em funcionamento.

Trata dos atrasos nas licenças como se órgãos ambientais fossem ONGs fora do controle do Executivo e lava as mãos. Vive num mundo em que o acionamento da totalidade das térmicas de forma contínua é natural, independentemente de custos econômicos ou ambientais. Onde os avisos e alarmes regulatórios criados para limitar o risco de deficit são ignorados.

Ano passado, e de novo em janeiro deste ano, o custo marginal de operação atingiu o nível de alerta que recomenda um corte de 5% na carga do sistema. A tradição no setor é esperar o fim do período úmido para decidir atuar sobre a demanda de energia e evitar um racionamento desnecessário.

Abril chegou e o resto de 2014 passou com as condições climáticas se agravando sem reação do Operador Nacional do Sistema Elétrico ou do órgão regulador --que deveriam atuar de forma independente da agenda política do governo, mas não o fizeram. A situação de hoje era totalmente previsível.

Não é preciso tirar as crianças da sala para falar em racionamento. Ninguém gosta e ninguém quer, mas é obrigação do governo estar preparado para situações críticas como a atual. Quanto mais tarde começar a atuar, mais profunda será a crise.

Em 2001 foi criada uma instância de gestão para enfrentar a crise, juntando governo e sociedade. Não só introduziu um sistema de incentivos que gerou uma queda no consumo e mudança de hábitos, como mudou o setor. Em 2003 a equipe atual recebeu de herança uma sobre oferta de 7.000 megawatts e um programa de termelétricas e energia alternativa em implementação.

Dez anos se passaram e uma sequência de erros gerou um cenário de escassez e alto endividamento. O governo só oferece paliativos, como o corte seletivo e não programado de energia. Uma política ineficiente e injusta, que não dá ao usuário a chance de administrar seu consumo, atingindo consumidores eficientes e perdulários igualmente.

Agora acena, sem dar detalhes, com uma campanha de racionalização e anuncia soluções descoordenadas para aumentar a oferta.

Nada sugere um plano de ação definido. A precária situação financeira das empresas, criada pelo próprio governo, também não parece fazer parte da agenda.

Oferecer incentivos para tornar a operação do sistema elétrico mais limpa, barata e eficiente deve ser objetivo permanente, e não apenas uma resposta à crise atual. Recuperar a confiança dos investidores com estabilidade e transparência nas regras também é crucial. Sem isso, investimentos não voltarão.

Antes de tudo é preciso reconhecer que a crise existe e que é grave, além de, especialmente, mostrar respeito às opiniões dos agentes do setor, evitando que empresas e consumidores sejam mais uma vez prejudicados com decisões unilaterais do governo. Talvez a maior lição de 2001 tenha sido a importância do diálogo. Este governo, infelizmente, prefere falar sozinho.


ELENA LANDAU, 56, é sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes e presidente do Instituto Teotonio Villela do Rio