sábado, 27 de julho de 2013


28 de julho de 2013 | N° 17505
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O cachorro e o menino

Tem um cachorro que mora numa rua aqui perto de casa. É um vira-lata preto, bem preto, sem uma única mancha. Ele é grande, quase do tamanho de um pastor alemão. Mora nas imediações de uma lixeira, está sempre rondando aquela lixeira. É conhecido da vizinhança, volta e meia alguém brinca com ele e suponho que o alimentem, ou já teria ido embora.

Trata-se de um cachorro muito simpático, como todo vira-lata. Li uma vez, na National Geographic, que o bicho mais inteligente do mundo é o vira-lata brasileiro e que uma de suas armas de sobrevivência é, exatamente, a simpatia. Pois o cachorro do meu vizinho é mesmo simpático e sabe se valer dessa qualidade para enternecer os seres humanos.

Gosto de ver esse cachorro pela rua, mas o que mais gosto é quando ele, o cachorro, se encontra com um menino que estuda em alguma escola das cercanias. O menino tem uns 12 anos de idade. Todos os dias, em certo horário, ele vem lá de longe, mochila escolar às costas, e o cachorro já se agita e esfrega o peito na calçada de excitação e balança o rabo freneticamente e emite um latido baixo de saudação, como se fosse um gemido.

O menino vem rindo, seus olhos brilham, ele apressa o passo, ao ver o cachorro. Quase correm um para o outro. Então, enfim reunidos, se acarinham, fazem-se festa. O menino passa a mão no pêlo do cachorro e o abraça pelo pescoço, o cachorro lambe-lhe os braços e tenta lhe subir pelas pernas. Às vezes, o menino senta-se no cordão da calçada e o cachorro fica fincado ao seu lado, feito um cão de guarda. Permanecem os dois ali, juntos, em silêncio, olhando o mundo sem pressa.

Depois de alguns minutos, o menino enfim se levanta, faz mais um carinho na cabeça do cachorro e se vai. O cachorro o acompanha por alguns metros, mas nunca passa da esquina. O menino some numa curva da rua e o cachorro volta para a sua lixeira, caminhando devagar sobre suas quatro patas pretas. Uma ou duas vezes ele ainda volta a cabeça para trás, esperando ver o menino, mas o menino já se foi. E o cachorro se deita sob a sombra de uma árvore e até parece pensativo, mas cachorro não pensa, o que é uma pena. Se pensasse, sei o que seria. Seria um consolo, uma certeza: “Amanhã ele volta”.

A dúvida persiste

Perguntei, domingo passado, que bicho afinal de contas é a Uniqua, dos Backyardigans. Desencadeei forças desconhecidas, que agora se enfrentam em feroz debate. Foram dezenas de e-mails, impossível responder a tantos. Por isso, reproduzirei aqui as teses dos principais partidos.

Quem é Uniqua?

1. Uma pequena maioria defende que Uniqua seja uma formiga.

2. Em segundo lugar, há os que dizem que ela é uma joaninha.

3. Houve ainda os que garantem ser ela um caracol sem a casinha nas costas.

Bem. O partido número 1 pode estar certo. Uniqua parece mesmo uma saúva e tem até suas anteninhas características. Mas a pele de Uniqua é petit-pois como a das melhores joaninhas, então o 2 surge com força. E o 3 também merece considerações, a não ser por um ponto: será que, sem a casinha nas costas, ela não é, na verdade, uma lesma?

Que dúvida...

Inferno, de Dan Brown

Nem sempre o que é muito popular é ruim. Quase sempre é. O Código da Vinci, de Dan Brown, vendeu 50 milhões de exemplares ao redor do mundo, e não é um livro ruim. Ao contrário, trata-se de um bom livro de ação, com ritmo alucinante e trama envolvente. Perde-se um pouco no final e às vezes exagera um bocado, mas cumpre o que promete. Você vai se divertir, se ler o Código da Vinci.

Certo. Dias atrás, tentei ler Inferno, do mesmo Dan Brown. Tentei.

Lá pelo meio, desisti. Não ia perder meu tempo, havendo tanto mais para ler. Inferno se esforça para repetir a fórmula do Código Da Vinci, sem sucesso. O liame com que Dan Brown amarra o enredo é quebradiço, as situações em que ele coloca os personagens são inverossímeis, tudo parece falso. Desta vez, Brown errou a mão.

Acontece.

Certa igreja de Florença

Esse Inferno é todo baseado no inferno criado por Durante Alighieri, nome que significa, muito apropriadamente, “o portador do vento eterno”. Adulto, Durante abreviou seu nome para Dante, e, como Dante, soprou pela eternidade.

Dante escreveu oito séculos atrás, em Florença. Ainda menino, apaixonou-se pela mulher que seria sua musa por toda a vida, a mítica Beatriz. Neste primeiro encontro, descreveu-a assim:

“Seu vestido, naquele dia, era da mais nobre cor, um carmim alegre, cintado e adornado como convinha a uma menina tão jovem. Digo sinceramente que, naquele momento, o espírito da vida, que tem sua morada na câmara mais recôndita do coração, começou a tremer tão violentamente em mim, a ponto de as menores pulsações de meu corpo lhe acompanharem o movimento, e, ao tremer, ele disse essas palavras: ‘Contemplai uma divindade mais forte do que eu, a qual, vindo, me dominará’. E daquele tempo em diante o amor dominou a minha alma”.

Dante não conseguiu concretizar seu amor. Beatriz se casou com um banqueiro. Sozinho, triste, anônimo, ele foi à igreja e assistiu ao casamento.

Quando estive em Florença, visitei essa pequena igreja de pedra, muito tosca, muito simples, e imaginei Dante vendo sua amada sendo entregue a outro, na penumbra do século 13.


Beatriz morreu aos 24 anos de idade, e Dante tornou-se um homem amargo. Jamais perdoou o destino por ter levado o amor da sua vida.