terça-feira, 30 de julho de 2013


30 de julho de 2013 | N° 17507
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Alegria triste

Dez anos faz que faleceu Vera Karam. Putz, 10 anos. Quando lembro dela, a primeira coisa que me vem à mente é trivial: ela me chamava de “L A”, éle-á. Era uma piada interna, de 20 anos atrás, ou mais. Era também uma rima para o modo como ela era chamada, e se apresentava, “Vera K”, eco da Christiane F, ou do Caio F. Nunca fomos amigos de conviver muito, mas tínhamos uma intensa simpatia e cruzamos uma porção de vezes pela cidade, com amigos compartilhados. Antes de tudo, ela era irmã de um amigo do peito, o Sérgio.

A Vera sofreu bastante, acho que um pouco mais que a média, e no fim passou péssimos bocados, porque a saúde falhou e acabou mesmo, cedo demais. Mas não é exatamente esse sofrimento acumulado que aparece em sua obra reunida, que o Instituto Estadual do Livro acaba de editar, cumprindo um de seus mais importantes papéis – o de dar a conhecer e divulgar gente que merece ser lida mas que não encontra lugar em catálogos direcionados ao imediato, como costuma ser o caso de editoras comerciais. Uma dúzia de textos para teatro, de duração variável, mais 11 contos, tudo antecedido de um prefácio de Airton Tomazzoni.

Se não aparece o sofrimento direto, o que é que a Vera escrita tem? Tem agilidade, ótimas cenas, diálogos fluentes (imagino que ela se daria muito bem na atual conjuntura, em que muita dramaturgia está sendo demandada pela nova e bem-vinda legislação que requer presença de produção nacional nos canais a cabo), momentos de verve, em conjuntos cênicos exemplares, mesmo nos contos, que têm vocação para a representação, também.

Algumas das cenas têm como protagonistas figuras de teatro – por exemplo, uma atriz prestes a entrar em cena e aflita por não saber se vai haver plateia, ou se a plateia vai rir na hora certa –, enquanto outras acompanham encontros casuais, desses que a vida arma – uma pendenga de família, um homem atendido por uma florista eventual, uma mulher e um homem que dialogam na entrada de um teatro. A Vera tinha o decisivo faro para o dramático existente ali onde a gente não vê nada.


E tem o patético, caso exemplar do monólogo Maldito Coração (me alegra que tu sofras), com nome de bolero, brega como convém. Talvez seja o texto mais bem realizado da Vera, no sentido do título desta lembrança: o troço começa pela brincadeira trivial, puxando para o deboche, e quando a gente menos espera lá está um núcleo de tristeza irremovível, véspera de um desespero quieto. Vera, Vera, sua patife: a tua cara essa brincadeira. Saudade.