quarta-feira, 9 de setembro de 2015



09 de setembro de 2015 | N° 18289 
MOISÉS MENDES

O leão e o macaco

Reapareceu o dentista americano que matou o leão Cecil no Zimbábue. O homem ficou dois meses quieto, para treinar o que diria. Alegou que desconhecia a fama do leão, o maior, o mais belo e o mais antigo da reserva.

Eu matei passarinhos sem fama e sem nome no Caverá, principalmente joões-de-barro. Me arrependia e no dia seguinte voltava a matar a bodocadas. Também matei muito rabo-de-palha, conhecido como pelincho ou alma-de-gato.

E minha casa tinha um macaco-abajur empalhado num pedestal. O bicho segurava uma lâmpada. Me lembro dos olhos de bolita do macaco que meu pai trouxe de Mato Grosso. Saía serragem do enchimento por um furo da perna do macaco.

Eu fuçava naquele furo de vez em quando, e a serragem escorria como farinha de mandioca amarelada. Até que um dia a perna do macaco ficou oca. Era assim que lidávamos com alguns bichos. Tratávamos cachorros com afeto, mas não os passarinhos, as caturritas engaioladas e os macacos empalhados.

Eu também aplaudi Orlando Orfei domando leões. Na metade dos anos 70, o Gringo Alvim, o Arthurzinho, o Benito e eu entrevistamos Orfei em Livramento para o jornal A Plateia. Foi depois do espetáculo, em um reboque-trailer comprido, a casa de Orfei.

Tinha poltronas, armários, cozinha. Sentamos e esperamos. Um careca abriu a porta do quarto e nos saudou com entusiasmo. Era Orfei sem a peruca. No começo, parecia outra pessoa, e não o homem valente cuja marca era o topete. Mas o careca nos conquistou.

Disse que conversava com as formigas. E que enfiava a cabeça na boca de um leão sem o menor medo. Perguntei se ele viveria com um leão dentro de casa:

– Viveria por algumas semanas, talvez alguns meses, até que um dia ele me comeria.

Proseamos por três horas tomando Q-Suco gelado. O título da matéria foi este: Orlando Orfei conversa com as formigas.

O domador morreu em agosto. Não me lembro se os leões dele tinham nome. E agora aparece o dentista com a desculpa de que teria matado um leão anônimo. Penso nisso, na evolução da nossa relação com os animais e na moda das falsas cabeças de caça (leões, alces, elefantes) dependuradas nas paredes das casas.

É a falsa taxidermia – a técnica que mumifica e empalha macacos e outros bichos. Agora, as cabeças decorativas coloridas são de cerâmica, pano, plástico e papelão. Como evoluímos.