quinta-feira, 10 de setembro de 2015



10 de setembro de 2015 | N° 18290 
L. F. VERISSIMO

Fronteiras reais



As fronteiras reais desrespeitam fronteiras cartográficas e geopolíticas e serpenteiam pelo mundo, dividindo povos e classes. Para cruzar uma fronteira real, não é preciso passaporte ou qualquer outra formalidade.  Com um passo, você atravessa uma fronteira econômica, às vezes sem nem se dar conta. Num país como o Brasil, para usar um triste exemplo, pode-se sair de um mundo e entrar em outro ao dobrar uma esquina. Botswana aqui, Miami logo ali.

Essa crise dos refugiados do Terceiro e do Quarto Mundo que invadem a Europa e desafiam os bons sentimentos e a hipocrisia de todos é uma estranha questão de fronteira em que a diplomacia não tem o que fazer. A diplomacia trata do convívio civilizado entre nações, o que inclui respeito às fronteiras. Na fronteira real entre miseráveis desesperados, que arriscam a vida para melhorar de vida, e os países ricos, as regras e convenções da diplomacia são irrelevantes como qualquer outra forma de afetação social. 

A fronteira real entre desiguais no Mediterrâneo é a mesma que vemos da nossa janela. A desigualdade como fator principal da perpetuação da miséria não é um foco recente da análise econômica, mas ganhou força com a súbita notoriedade do economista francês Thomas Piketty, um especialista no assunto que demoliu a tese dos neoliberais de que basta soltar as rédeas do mercado para tudo dar certo, ou pelo menos o que eles chamam de certo.  

Os refugiados que nasceram do lado errado da fronteira real têm o recurso da fuga para a Europa, mesmo dependendo de atravessadores escrupulosos, boas condições atmosféricas e o bom coração dos europeus. Quem nasce no lado errado da fronteira real que divide desiguais no Brasil só pode esperar que a política convencional seja a saída – um dia. Até ser destruído, pela reação e por ele mesmo, o PT parecia ser um caminho. Não era. Poucos conseguem cruzar a fronteira real brasileira. Quando o fazem, é por distração.