segunda-feira, 8 de outubro de 2018


08 DE OUTUBRO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO

Um passado pela frente

Brasília: "Livros de direitos humanos são rasgados na biblioteca da UnB". Manaus: "Aluno joga mesa na direção de professor de Letras que abordou fascismo em aula". Natal: "Aula de história terminou com um professor ameaçado de morte por partidários de Bolsonaro". Rio: "Colégio Santo Agostinho suspende uso de livro considerado comunista por grupo de pais".

O país que naturalizou a violência do crime organizado, da miséria e da corrupção cotidiana (que se reflete na classe política) agora precisa aprender a conviver com a violência da palavra, da opinião, da negação do outro e da aniquilação do pensamento. Livros, professores, escolas e o conhecimento em si estão sob ataque. E a História tornou-se uma poeira inconveniente a ser varrida para baixo do tapete.

A polarização política não explica livros rasgados em bibliotecas, professores atacados por seus alunos, pais censurando leituras de escola, amigos trocando insultos pelas redes sociais. A ideia de que o que está em jogo, nestas eleições, é um determinado modelo político ou econômico esbarra na brutalidade, na boçalidade, na truculência - que são, em essência, anárquicas. Não se trata mais de deixar explícita a preferência entre esquerda ou direita, mas de decretar que a convivência com o contraditório não apenas é desnecessária como deve ser evitada.

Este não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Está acontecendo no mundo todo, de diferentes formas. Se parece mais agudo por aqui é porque nossa base, como sociedade, é mais frágil. Há descontentamento com governos de direita e de esquerda, com democracias recentes e tradicionais, em países ricos e em países pobres. O que me parece um traço em comum, em todos esses conflitos, é uma dificuldade de aceitar o século 21 em toda a sua complexidade: a tecnologia, as lutas identitárias, o politicamente correto, as transformações no mundo do trabalho, a realidade paralela das redes sociais. 

Diante do que não se entende ou não se aceita, muita gente está optando por enfiar a cabeça embaixo da terra e fazer de conta que é possível voltar no tempo. A um mundo que ainda acreditava que pátria e religião ofereciam todas as respostas. Ou mesmo antes: ao tempo das cavernas.

CLÁUDIA LAITANO