terça-feira, 26 de fevereiro de 2019



25 DE FEVEREIRO DE 2019
COMPORTAMENTO

Há 30 anos, nascia um bebê pioneiro no RS

MARCO NA MEDICINA GAÚCHA, primeiro bebê de laboratório completa três décadas com história de sucesso pessoal e profissional

Durante a gestação de Álvaro Luis Gonçalves Santos, era comum as pessoas se aproximarem de sua mãe e perguntarem se ela não temia que o filho viesse ao mundo com algum déficit mental ou mesmo nem nascesse. Neste sábado, Álvaro chegou aos 30 anos como um caso de sucesso - da medicina e pessoal. Primeiro bebê de laboratório do Estado, ele se tornou, na vida adulta, um campeão de aprovação em concursos públicos. Passou em mais de 20 apenas nos últimos dois anos.

Nada mal para alguém que, por causa do ineditismo da gestação, teve o nascimento cercado por receios. A mãe, a técnica em enfermagem Iara Gonçalves Ferreira dos Santos, lembra que o desconhecimento que havia na época sobre as recém desenvolvidas técnicas de reprodução assistida fazia as pessoas proferirem barbaridades:

- Morávamos em Tramandaí, uma cidade pequena. Por causa do preconceito e do tabu, perguntavam se eu não tinha medo de ele nascer diferente. Não posso culpar essas pessoas, mas não era uma coisa agradável de escutar. Posso dizer que, algumas vezes, telefonei chorando para meu médico, o doutor Alvaro Petracco.

Iara e o ex-marido, João Luis Gomes dos Santos, perseguiram o sonho de ter um filho durante cinco anos. Iara sofria de endometriose, uma condição que tornava difícil engravidar. Depois de quase três anos, a médica que os acompanhava inicialmente deu o caso por encerrado, dizendo que não havia mais o que fazer. O casal perseverou e foi parar nas mãos de Alvaro Petracco e Mariangela Badalotti, que vinham trabalhando, no Hospital São Lucas da PUCRS, para trazer ao Estado os métodos que ganhavam manchetes mundo afora. Também faziam parte do grupo Marcelo Moretto, Francisco Cancian e Maria Izabel Lopes.

Petracco (que hoje dirige o Fertilitat Centro de Medicina Reprodutiva em parceria com Mariangela) relata que, apesar de o primeiro bebê de proveta ter nascido em 1978, na Inglaterra, a técnica não se disseminou logo. Foi só na segunda metade da década de 1980 que começou a deslanchar. Naquele momento, a dupla gaúcha vinha trabalhando, em silêncio, para dominar a novidade. Foram cinco anos de estudos e experimentos até que Álvaro nascesse.

- As coisas eram muito incipientes e experimentais quando começamos. O Hospital São Lucas nos deu uma área para desenvolver isso. Montamos um laboratório de fertilização e importamos material dos Estados Unidos, porque não tinha nada no Brasil naquela época. Começamos do zero, aprendendo. Quem fazia, escondia - conta Petracco.

GESTAÇÃO SE DEU NA PRIMEIRA TENTATIVA

Em 1988, sentiam-se prontos para dar o grande passo. Iara foi a primeira paciente. Os médicos escolheram um método hoje em desuso, a transferência intratubária de gametas (GIFT), que havia sido descrita por um pesquisador argentino. Não era uma técnica de fertilização in vitro (quando a fertilização do óvulo pelo espermatozoide ocorre em laboratório, e só depois o embrião é implantado na mulher), razão pela qual Álvaro não é propriamente um bebê de proveta. No GIFT, o óvulo (retirado por laparoscopia) e o espermatozoide eram preparados em um meio de cultura e implantados ao mesmo tempo na trompa da mulher, onde deveria ocorrer a fertilização.

Na primeira tentativa com o GIFT, Iara engravidou. Foi uma gestação tranquila, mas cercada de expectativa.

- Como se tratava de uma técnica nova, era um ponto de interrogação. Foi escondido até o final, porque ninguém sabia o que ia acontecer. Nasceu e só foram avisar no outro dia, depois de verem que a criança estava bem, respirando e que era normal - relata Petracco.

Batizado de Álvaro em homenagem ao médico, o menino nasceu saudável, com 2,8 quilos e 40 centímetros, em 23 de fevereiro de 1989. No dia seguinte, uma foto dele com os pais no hospital ocupava toda a primeira página de ZH que anunciava: "Nasce o primeiro bebê gaúcho de laboratório".

Quatro anos depois, Iara comentou que sentia-se mal, e Alvinho disparou:

- Mãe, tu estás grávida.

Ela achou impossível, mas a percepção do menino se confirmou. Petracco observa que um dos melhores tratamentos para a endometriose é, justamente, uma gestação. Assim, Iara atribui ao GIFT não apenas a possibilidade de ter tido Álvaro, mas também Gabriela, hoje com 25 anos:

- O que possibilitou a segunda gestação foi a primeira. Posso dizer que o procedimento me permitiu ter dois filhos, apesar de a segunda gravidez ter vindo naturalmente.

ITAMAR MELO

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