segunda-feira, 26 de julho de 2021


26 DE JULHO DE 2021
RODRIGO LOPES

A negação do presente e a castração do futuro

Lá pela 5ª série na Escola Estadual Anne Frank, em Porto Alegre, a professora Maiara, de geografia, nos pediu um trabalho. Cada grupo, contaria a história de um país. Ao meu, coube a Índia. E minha primeira experiência internacional começou, assim, na cozinha de casa, preparando um chapati, o pão tradicional indiano. Meses depois, ganhei do pai um mapa, e embarcamos, eu e a mãe, em um ônibus até o Rio de Janeiro. A cada nova cidade, eu ia marcando no mapa, com caneta esferográfica azul, o trajeto percorrido. O jornalismo e a RBS me proporcionaram conhecer mais de 30 países, em meio a furacões, terremotos e guerras, mas desconfio de que veio do chapati, do mapa e da primeira viagem meu interesse pelos temas mundiais.

A vida ocorre na pólis, mas o olhar restrito à aldeia apequena demais a mente. Como meu radar está acima das fronteiras nacionais, me preocupo quando política externa só ganha atenção no Brasil quando vacinas deixam de chegar por ignorância de governantes sobre as conexões globais; ou quando acordamos para a pandemia só três meses depois de um vírus surgir do outro lado do mundo; ou ainda só nos interessamos em saber onde ficam Venezuela, Haiti e Senegal quando refugiados batem à porta.

O global é local. E vice-versa. Uma fábrica que polui do outro lado da fronteira afeta o ar que respiramos aqui. Aliás, fronteiras são invenções arbitrárias - que o digam as linhas retas africanas ou intervencionices ocidentais no Oriente Médio.

Precisou vir a covid-19 para nos lembrar de que o mundo não admite isolamento. A descoberta da vacina, por exemplo, só foi possível graças à união de esforços multiculturais, pensamento global, ciência e internacionalização. Hoje, há gaúchos e gaúchas na Nasa, em Oxford, em missões na África e na China produzindo conhecimento, ajudando outras pessoas, ganhando dinheiro ou simplesmente buscando realização pessoal e profissional. Chegaram lá porque, um dia, uma professora lhes solicitou um trabalho sobre um país distante, porque ganharam um mapa ou embarcaram em um ônibus. Ou porque a escola pensou para além da cidade, a empresa se abriu ao mundo e a universidade não se fechou para a internacionalização.

Escrevo essa coluna inspirado por duas situações. A primeira, pela polêmica sobre a suposta perda de relevância da Secretaria de Relações Internacionais (Relinter), um dos órgãos responsáveis pela internacionalização na UFRGS, algo que a reitoria nega. A segunda, por ter ouvido, dias atrás, a professora Cristine Koehler Zanella, da Universidade Federal do ABC (UFABC), no podcast "Chutando a Escada": "Uma mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original". A frase é atribuída a Albert Einstein, não à professora, mas foi uma ótima lembrança de alguém que, como pesquisadora de relações internacionais e natural da fronteira, conhece a importância de se abrir janelas.

RODRIGO LOPES - INTERINO

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