17
de agosto de 2014 | N° 17893
PAULO
SANT’ANA
Minha bengala
Perdi
minha bengala.
Era
uma bengala incomum. Tinha a haste inteira de bambu envernizado, o cabo
prateado.
Serviu-me
minha bengala durante quatro anos inteiros de tontura progressiva.
Apoiava-me
nela como se apoiam os cônjuges entre si.
Ando
agora com outra bengala no mais completo desajeito. A atual não é como a outra,
sinto-me desamparado, só, vacilante com esta nova bengala, não a empunho com a
segurança que tinha com minha bengala extraviada.
Minha
bengala acompanhou-me nas chuvas, nas tempestades, nos dias ensolarados.
Eu
trabalhava insone aqui nesta mesa, supliciavam-me as tarefas árduas, mas me
aquietava sempre a esperança de que, ao terminar minha incumbência, iria ter
com minha bengala tranquilizante, que iria me levar para casa como cuidadosa
timoneira.
Tenho
saudade de minha bengala perdida e tenho certeza de que ela agora sente a minha
falta. Era meu cão-guia, minha companheira de quatro anos e meio de travessia
pela vida inquieta e preocupante.
Ela
há de ter ficado com uma saudade minha assim como sinto dolorida saudade dela.
Perdi
minha bengala e acho que foi esquecendo-a num táxi. O motorista do táxi,
contatado pela EPTC, jura que não a deixei em seu carro. Será que a deixei e um
passageiro que me sucedeu adonou-se dela? Se adonou-se, fez muito bem, ele vai
ver que bengala maravilhosa ganhou para ampará-lo na velhice.
Se
alguém souber da minha bengala, me telefone. Eu e minha bengala, separados
assim pelo destino, não sabemos viver um sem o outro.
Rejeito
essas bengalas ortopédicas que se desconjuntam em pedaços e podem ser guardadas
numa pequena bolsa. Acho-as frias, mecânicas, impessoais, ao contrário da minha
bengala, que parecia ser um ser humano, tanto me amparava.
É
incrível como podem as pessoas afeiçoar-se aos objetos, como se eles fossem
pessoas ou cães de companhia.
Eu
já não tenho vivido mais decentemente depois desses 15 dias após a perda da
minha bengala.
Sinto-me
incompleto, foi como se tivesse perdido um filho.
Devolvam
minha bengala, pelo amor de Deus!