sábado, 16 de agosto de 2014


17 de agosto de 2014 | N° 17893
PAULO SANT’ANA

Minha bengala

Perdi minha bengala.

Era uma bengala incomum. Tinha a haste inteira de bambu envernizado, o cabo prateado.

Serviu-me minha bengala durante quatro anos inteiros de tontura progressiva.

Apoiava-me nela como se apoiam os cônjuges entre si.

Ando agora com outra bengala no mais completo desajeito. A atual não é como a outra, sinto-me desamparado, só, vacilante com esta nova bengala, não a empunho com a segurança que tinha com minha bengala extraviada.

Minha bengala acompanhou-me nas chuvas, nas tempestades, nos dias ensolarados.

Eu trabalhava insone aqui nesta mesa, supliciavam-me as tarefas árduas, mas me aquietava sempre a esperança de que, ao terminar minha incumbência, iria ter com minha bengala tranquilizante, que iria me levar para casa como cuidadosa timoneira.

Tenho saudade de minha bengala perdida e tenho certeza de que ela agora sente a minha falta. Era meu cão-guia, minha companheira de quatro anos e meio de travessia pela vida inquieta e preocupante.

Ela há de ter ficado com uma saudade minha assim como sinto dolorida saudade dela.

Perdi minha bengala e acho que foi esquecendo-a num táxi. O motorista do táxi, contatado pela EPTC, jura que não a deixei em seu carro. Será que a deixei e um passageiro que me sucedeu adonou-se dela? Se adonou-se, fez muito bem, ele vai ver que bengala maravilhosa ganhou para ampará-lo na velhice.

Se alguém souber da minha bengala, me telefone. Eu e minha bengala, separados assim pelo destino, não sabemos viver um sem o outro.

Rejeito essas bengalas ortopédicas que se desconjuntam em pedaços e podem ser guardadas numa pequena bolsa. Acho-as frias, mecânicas, impessoais, ao contrário da minha bengala, que parecia ser um ser humano, tanto me amparava.

É incrível como podem as pessoas afeiçoar-se aos objetos, como se eles fossem pessoas ou cães de companhia.

Eu já não tenho vivido mais decentemente depois desses 15 dias após a perda da minha bengala.

Sinto-me incompleto, foi como se tivesse perdido um filho.


Devolvam minha bengala, pelo amor de Deus!