segunda-feira, 1 de setembro de 2014


01 de setembro de 2014 | N° 17909
CÍNTIA MOSCOVICH

RUMINAÇÕES E O BODE EXPIATÓRIO

Uma das notícias mais incríveis da Folha de S.Paulo na semana que passou foi a de que artistas árabes convidados para a 31ª Bienal de São Paulo planejavam um boicote em repúdio ao patrocínio de R$ 90 mil concedido ao evento pelo consulado de Israel na capital paulista – montante justificado pelo convite feito a três artistas israelenses.

Segundo o jornal, cerca de 40 artistas árabes e simpatizantes exigiram que o logotipo do consulado fosse retirado do material promocional, que os três artistas israelenses fossem, digamos, desconvidados e que os 90 mil fossem devolvidos – tudo porque se recusavam a participar de um evento apoiado por um país que acusam de “genocida” e que desejam apagar do mapa. A Bienal, que tem orçamento na casa dos R$ 24 milhões, começa nesta semana, mas, até o momento em que escrevo, a dita ameaça não tinha sido concretizada.

A notícia empilha sandices. A ameaça de boicote por parte de artistas e escritores a uma bienal por causa de um conflito no Oriente Médio patrola a crença de que a arte é capaz de transcender as fronteiras e as miudezas, sanar o ódio e promover a concórdia. Impossível que pessoas que lidem com criatividade caiam na esparrela da chantagem emocional, a mesma que mobiliza a opinião pública contra os judeus, bode expiatório de praxe. O antissemitismo ganhou fermento e só cresce.

O segundo ponto que chama a atenção é postura do cônsul israelense, Yoel Barnea, que, ao se manifestar sobre o assunto, disse que as queixas contra o terrorismo são muitas, mas que nem por isso deixaria de garantir o patrocínio – ninguém esperava dele postura diferente daquela ditada pela vocação democrática que norteia o povo judeu.

Um terceiro e grave aspecto é a importação para o Brasil de um conflito que só faz reavivar as mal extintas brasas do ódio milenar e arquetípico contra os judeus. Logo nesse país solar, onde imigrantes de várias nacionalidades tiveram chance de prosperidade, logo aqui, onde nos orgulhamos do convívio pacífico entre religiões, logo aqui vemos reacender a chama do mal que julgávamos extinto.


O conflito na Faixa de Gaza tem servido para que antissemitas encontrem via livre para sua expressão, seguindo a trilha deixada por uma boiada de suposta “gente do bem” mas que não passa de ruminantes de um mesmo pasto preconceituoso, pouquíssimo cultivado e que mais e mais se distancia da paz.