12
de setembro de 2014 | N° 17920
EDITORIAL
O FOGO DA
INTOLERÂNCIA
O
atentado contra o CTG de Livramento é uma agressão a todos os avanços liderados
pelo Estado no combate aos preconceitos.
A
imagem do respeito à diversidade, que o Rio Grande do Sul construiu a muito
custo, foi abalada pelo ato criminoso contra o CTG Sentinelas do Planalto, de
Livramento, escolhido para a realização de um casamento coletivo marcado para
este sábado. Está claro que o ataque tentou intimidar os envolvidos na
iniciativa, a começar pelo próprio Judiciário, que liderou a mobilização pela
cerimônia, aberta também a casais homossexuais.
O
atentado não atinge apenas um prédio, nem provoca somente danos financeiros. O
ato primitivo contra o CTG é uma afronta a um Estado reconhecidamente pioneiro
na defesa da homoafetividade.
Foi
a partir de deliberações do Tribunal de Justiça gaúcho que o Brasil passou a
aceitar a ideia de que duas pessoas do mesmo sexo poderiam conviver como casal
e constituir família. Como consequência desse esforço, a união homoafetiva é
legalmente reconhecida no Brasil, por decisão do Supremo Tribunal Federal,
desde 2011. O crime perpetrado contra o CTG é obra de uma minoria radical, mas
não pode ser ignorado como um gesto que, infelizmente, também reflete a opinião
de importante parcela da população.
É
evidente que contingente expressivo da sociedade santanense e gaúcha desaprova
a iniciativa inovadora do CTG, sempre sob o argumento de que o tradicionalismo
não poderia acolher uma cerimônia com casais gays.
É
retrógrado, em todos os sentidos, um sentimento que confunde tradicionalismo
com discriminação e preconceito. Avanços sociais, como a homoafetividade, não
podem significar afrontas à tradição cultural. Também é frágil o argumento de
que, por se tratar de organizações privadas, as entidades que resistem ao
casamento gay num CTG estariam imunes a críticas e questionamentos dos que não
cultuam as tradições.
Se
assim fosse, toda entidade com normas próprias estaria apartada das regras de
convívio da sociedade. Estatutos pretensamente exclusivistas não podem se
sobrepor às leis a que todos devem se submeter. A união homoafetiva, com
respaldo legal, é um direito dos que assim orientam suas vidas. Manifestar
opinião contrária é compreensível, mas não pode significar liberdade para a
agressão e a violência.
Atentados
como esse ultrapassam em muito a discordância sustentada pelo debate e retrocedem
aos tempos sombrios da intolerância mantida a ferro e fogo. É importante, para
que a impunidade não prospere, que os responsáveis sejam identificados e
julgados. Mas também é decisivo que a reação à barbárie seja uma atribuição de
cada um, no sentido de disseminar o respeito às diferenças e à construção de
uma cultura de convivência civilizada.