13
de setembro de 2014 | N° 17921
CASAMENTO
GAY MUDANÇA FORÇADA
DERROTADOS PELO
PRECONCEITO
MESMO
COM MOBILIZAÇÃO de frequentadores e voluntários para recuperar danos causados
por incêndio criminoso, união coletiva, que inclui um casal de lésbicas, foi
transferida de CTG para o fórum de Santana do Livramento
O
esforço dos santanenses que ajudaram a reerguer parte do CTG Sentinelas do
Planalto não foi em vão, mas foi insuficiente para vencer os danos causados
pela intolerância. O casamento coletivo incluindo um casal de lésbicas não será
mais realizado no local, porque as obras de reconstrução não ficariam prontas a
tempo. A cerimônia foi transferida para o Salão do Júri do fórum de Santana do
Livramento, com início às 16h de hoje.
Na
manhã de ontem, usando a bandeira multicolorida do movimento gay como manto, a
juíza de Direito Carine Labres inspecionou os trabalhos no CTG incendiado,
ainda acreditando que poderia ser o palco do evento que unirá 28 pares
heterossexuais e um de lésbicas. Às 19h, no entanto, convocou uma entrevista
coletiva para anunciar o novo local.
– Em
que pese o esforço no CTG e pensando na questão da segurança, estamos
transferindo para o Salão do Júri – informou.
Na
entrevista, Carine voltou a expor a bandeira do arco-íris (símbolo gay),
colocando-a sobre a mesa. Ao seu lado, com voz embargada e olhos vermelhos, o
patrão do Sentinelas do Planalto, Gilbert Gisler, o Xepa, disse que aceitava a
decisão da juíza, apesar do desapontamento. – Somos legalistas, respeitamos a
lei – disse Xepa.
O
comandante dos bombeiros da cidade, primeiro-tenente José Henrique Martins
Rodrigues, confirmou que não haveria condições de usar o local. Às 18h de
ontem, Rodrigues voltou a conferir o andamento das obras, constatando que não
seriam liberadas até o meio-dia de hoje.
–
Houve comprometimento nas estruturas próximas ao madeiramento – observou o
bombeiro.
O
atentado contra o CTG ocorreu no início da madrugada de quinta-feira.
Desconhecidos teriam arremessado garrafas incendiárias (coquetel molotov) no
telhado, causando a destruição de 30% das instalações. Eles são procurados pela
Polícia Civil.
IDEIA
DO CTG É ABANDONADA
A
juíza Carine também anunciou que não vai mais propor casamentos coletivos
dentro de CTGs. Os próximos – um ou dois por ano – serão todos no fórum.
Questionada se estava capitulando diante dos tradicionalistas, que se rebelaram
com a união de gays desde o início, explicou que poderia soar como provocação se
insistisse na proposta.
A
magistrada esclareceu que não quis afrontar o Movimento Tradicionalista Gaúcho
(MTG) ao propor o casamento coletivo dentro de um CTG e durante os festejos da
Semana Farroupilha. Lembrou que, ao propor a ideia, sete CTGs do município se
ofereceram. Ao ponderar que também haveria pares de pessoas do mesmo sexo, seis
deles desistiram. O único que não recuou foi o de Xepa, também vereador, que
declarou:
–
Palavra de gaúcho é como um tiro. Depois que sai, não volta mais. A transferência
de local desagradou as dezenas de voluntários que se esmeravam para aprontar o
CTG. Na tarde de ontem, usando bota e bombacha, o advogado Raul Vieira, 54
anos, carregava brita com uma pá.
–
Estou desde o início, faço o que posso – comentou Vieira, o suor escorrendo do
rosto. Comerciantes, operários, profissionais liberais e donas de casa também
atenderam à conclamação. O vidraceiro Adriano Lopes, 41 anos, foi deslocado de
outra empreitada, pelo dono da empresa onde atua, para recompor janelas. Diante
das dúvidas se o serviço seria concluído a tempo, sintetizou a disposição de
todos.
–
Vamos ter que conseguir, não tem outra saída – disse Adriano. A solidariedade
foi constante. A diretora da Escola Estadual Pinto da Rocha, Ana Lia Bicca
Ribeiro, ofereceu cadeiras e o que mais fosse necessário.
–
Não podemos aceitar essa coisa medonha que é o preconceito – disse Ana Lia.
pedro.moreira@zerohora.com.br