14
de setembro de 2014 | N° 17922
ANTONIO
PRATA
Fábulas monterrosianas
(2)
Vivia
a floresta na mais densa calmaria até o dia em que apareceu a coruja, com suas
olheiras, seu sobretudo e suas ideias subversivas: “Como vocês podem se achar
felizes se são paus mandados do leão? Como podem se achar livres se só fazem o
que permite o leão? Como podem dormir tranquilos se correm o risco de, a
qualquer momento, serem devorados pelo leão? Abaixo a ditadura leonina!”.
“Bravo!”, gritou o coelho. “Apoiada!”, bradou a gazela. “Ente, ente, ente,
coruja presidente!”, puxou o tatu.
Daí
em diante, os animais passaram a viver revoltados, só pensando no absurdo que
era serem vítimas desse déspota, o leão. A coruja, então, organizou uma
assembleia, onde, depois de um caloroso debate, chegou-se à conclusão de que em
toda a floresta havia um único bicho capaz de destronar o autoungido rei dos
animais: o jacaré.
Boiando
no rasinho, só com aqueles olhos amaconhados pra fora d’água, o jacaré ouviu a
explicação da coruja e as súplicas de seus companheiros silvícolas. “Vocês
querem que eu ajude?” “Sim!”, responderam todos. “Querem a paz na floresta?”.
“Siiim!”. “Querem parar de sofrer com a supremacia leonina?”. “Siiiiiim” – e,
mal o coro suplicante havia terminado de ecoar por entre as copas das árvores,
o jacaré arremeteu contra a coruja e, num bote certeiro, a engoliu inteirinha,
com suas olheiras, seu sobretudo e suas ideias subversivas.
Era
véspera de Natal e duas mariposas ficaram girando em volta da lâmpada, até
tarde. Quando amanheceu elas viram, do lado de lá da janela, uma borboleta. “Ah
lá, que coisa ridícula!”, caçoou uma mariposa. “Toda coloridinha, a fofa...”,
emendou a outra. “Se achando o próprio arco-íris”, zombou a primeira. Depois,
foram dormir.
Na
noite seguinte, a primeira mariposa estava a caminho da lâmpada e, ao passar
pela árvore, se viu refletida num enfeite vermelho. Parou, olhou pra direita,
olhou pra esquerda e, como não havia ninguém, ficou ziguezagueando diante da
árvore, maravilhando-se com seu reflexo ora verde, ora amarelo, ora vermelho,
ora prateado, ora dourado, nas bolas de vidro. Até que, do outro lado da
árvore, surgiu a segunda mariposa. As duas tomaram um susto. “Que que cê tá
fazendo desse lado da árvore?!”, “Nada! Tô subindo pro lustre! E você, lá do
outro lado?!”, “Nada, subindo pro lustre, também...”.
Dito
isso, elas voaram até o alto da sala e ficaram a girar em volta da lâmpada.
“Nossa, e aquela borboleta, ontem?!”. “Coisa ridícula, toda coloridinha, a
fofa”. “Se achando o próprio arco-íris...”.
Numa
manhã do neolítico, bem antes do domínio das técnicas de irrigação, da
agricultura, do desenvolvimento do comércio e da invenção do dinheiro, uma
galinha pôs um ovo de ouro. Como estávamos no neolítico, bem antes do domínio
das técnicas de irrigação, da agricultura, do desenvolvimento do comércio e da
invenção do dinheiro, a galinha foi tratada pelas outras como uma aberração,
foi chamada de freak, foi expulsa do bando e morreu só e triste, deixando
duzentos ovos de ouro e nenhum descendente.
“Mundo
vil, mundo tacanho!” (o ornitorrinco a bradar) “Todos me chamam de estranho Mas
e o pepino do mar?!”