15
de setembro de 2014 | N° 17923
L.
F. VERISSIMO
Marina
A
comparação da Marina com o Jânio e o Collor é gratuita, mas, se ela for eleita,
entrará na lista dos nossos presidentes exóticos – o que não significa que terá
o mesmo destino dos outros.
Mulher,
negra, com uma história pessoal de superação da sua origem mais admirável, até,
do que a do Lula, ela seria, no governo, no mínimo uma curiosidade
internacional, e talvez uma surpresa. Acho difícil que sobreviva a todas as
suas contradições e chegue lá, mas no Brasil, decididamente, você nunca pode
dizer que já viu tudo. Temos uma certa volúpia pelo excêntrico.
A
influencia da religião numa hipotética administração Marina é discutível. Não
se imagina que o bispo Malafaia e outros bispos evangélicos teriam o mesmo
poder no governo que tiveram sobre a redação dos princípios da candidata,
obrigada a mudar alguns para não desagradá-los.
E o
que significaria termos um governo evangélico em vez de um governo católico ou
umbandista? Obscurantismo por obscurantismo, daria no mesmo. Outra
excentricidade do momento – sob a rubrica “Só no Brasil” – é o fato de a
candidata mais revolucionária nestas eleições ser ao mesmo tempo a mais
conservadora.
A
aprovação quase universal do casamento gay está tornando esta questão obsoleta,
para não dizer aborrecida, mas outras questões em choque com princípios
religiosos, como a da liberação do aborto e a pesquisa com células-tronco,
afetam a vida e a morte de milhões de pessoas. É impossível saber quantas
mulheres já morreram em abortos clandestinos por culpa direta da proibição do
uso de preservativos pelo Vaticano, por exemplo.
Não
faz a menor diferença para mim, para você e para o nosso cotidiano se Deus
criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo porque nem Ele era de ferro,
ou se a humanidade descende de macacos. Eu mesmo adotei uma crença mista a
respeito: acredito que todos os antepassados da nossa espécie eram filhos de
macacos menos os meus, que foram adotados. Mas a oposição à pesquisa com
células-tronco que pode levar à cura de várias doenças hoje mortais não é
brincadeira. É criminosa.
Acho
a Marina uma mulher extraordinária. Mas como alguém que está na fila para
receber os eventuais benefícios de pesquisas com células-tronco, voto no meu
coração.