quinta-feira, 4 de julho de 2024


04 DE JULHO DE 2024
CARPINEJAR

A ordem dos fatores

A estratégia de quem age sem razão é inverter a situação para transferir a culpa. Faço algumas perguntas para esclarecer o tradicional ardil usado por aqueles pegos em flagrante na infidelidade.

Se você mexe no celular de seu parceiro e percebe que ele vem traindo, você é que está errado? Você não poderia fuçar nas coisas dele sem autorização, enquanto ele pode ser infiel sem autorização, descumprindo o pacto estabelecido no início da relação de não sair com outras pessoas?

Você cometeu o suposto crime de invadir o aparelho alheio, mas os seus segredos que foram levados para lençóis estranhos não são relevantes?

Há alguma diferença no jeito como se desvendou a pulada de cerca? Mudaria o sentido da história se não fosse mexendo no celular, mas encontrando um bilhete no bolso da calça, ou cheirando as roupas, ou abrindo uma fatura do cartão de crédito que não é sua e localizando gastos imprevistos?

Não seria também uma invasão de privacidade? Ou é mais desculpável quando não é com o celular? De que forma teria conhecimento da realidade? O amante avisaria? Ou você esperaria sentado uma confissão de um caso que já dura alguns meses? Quantos dias dormindo na mesma cama, olhando nos olhos, sem ele dizer a verdade? Precisava aguardar mais? Em que momento deixaria de ser precipitação da sua parte?

Você é acusado de não confiar nele por espiar a troca de mensagens nos aplicativos, então sua indiscrição diminui a pena dele por quebrar a confiança ao meio com uma sedução enrustida?

As falhas se equivalem? São de igual natureza? Você é culpado pela falta de liberdade, ele é culpado pela falta de sinceridade, o que pesa mais? Qual o maior constrangimento: não acreditar na palavra do seu par e investigar, ou ser o último a saber que já é vítima silenciosa da comiseração dos amigos e colegas em comum? Ele não deveria estar dividindo os seus pensamentos e atitudes em vez de se preocupar em não dividir o celular?

Quem rompeu os laços: o que se envolveu com outrem ou aquele que procurou a verdade não dita depois da completa mudança de comportamento? Qual desespero prevalece: o de quem descobre escondido que é enganado ou o de quem engana escondido?

O que vem primeiro: a intimidade, essa convivência cúmplice, essa partilha da vida que merecia ser espontânea, ou o respeito ao sigilo das conversas com terceiros? O que importa para o amor: o que acontece no coração, ou no celular? A ordem dos fatores altera a soma do desastre?

E se você não achasse nada de desabonador, se não contasse com nenhuma prova, nenhuma evidência, nenhum fiador para legitimar a desconfiança e a agressão feita ao espaço pessoal do seu par, como justificaria sua conduta? Abandonaria o seu ciúme, a sua possessividade? Veria que está adoecido? Que está sendo abusivo no romance?

Eu só queria entender. _ Quem rompeu os laços: o que se envolveu com outrem ou aquele que procurou a verdade não dita?

CARPINEJAR

04 DE JULHO DE 2024
EDITORIAL

A magnitude da perda de vagas formais de emprego em maio no Estado e as incertezas em relação à plena retomada à frente indicam que o governo federal tem de permanecer atento à evolução do mercado de trabalho para recalibrar seus programas de apoio, caso o que foi anunciado até agora mostre-se insuficiente. Empregadores já vêm alertando para essa possibilidade.

De acordo com o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Rio Grande do Sul perdeu 22.180 postos com carteira assinada no mês da enchente. A indústria foi o setor mais afetado, com 6.586 vagas destruídas. Outros recortes despertam atenção. O ramo de bares e restaurantes perdeu 2.176 trabalhadores, metade de todo o segmento de serviços. Conforme a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), empresas das áreas de cultura e entretenimento no Estado tiveram uma demissão líquida de 2.107 trabalhadores. Gramado, na Serra, foi o quarto município gaúcho com a maior perda de empregos - 918 dispensados.

Setores de gastronomia, eventos e turismo dependem em boa medida da volta dos pousos e decolagens no aeroporto Salgado Filho. Como não há certeza de quando isso ocorrerá, pode ser inevitável estender o programa emergencial para a manutenção de postos formais criado pelo governo federal, previsto para apenas julho e agosto, com o pagamento de um salário mínimo mensal. A contrapartida das empresas é manter o trabalhador na vaga por ao menos mais dois meses. Foi sensata a decisão comunicada na terça-feira de ampliar o prazo de adesão até o próximo dia 12.

Talvez seja necessário também rever os critérios para enquadramento no programa. Por enquanto, informa o governo, ele está condicionado "à localização dos estabelecimentos dos empregadores em áreas efetivamente atingidas na mancha de inundação delimitada por georreferenciamento nos municípios em estado de calamidade ou situação de emergência reconhecidos pelo governo federal". Há negócios que não sofreram com alagamentos, mas padecem dos reflexos da cheia, como o fechamento do aeroporto da Capital ou outros problemas de logística. Não é prudente também descartar novas medidas.

Idêntico raciocínio é válido para acessar recursos do pacote de R$ 15 bilhões em crédito com condições especiais anunciado pelo BNDES. Existem empresas que não foram tomadas pelas águas, mas indiretamente amargam consequências significativas. Assim, aguarda-se que possam ser analisadas outras condicionantes. Uma delas pode ser a perda de faturamento, como já foi sugerido. Ainda não há, por parte do governo federal, resposta à demanda.

O IBGE mostrou ontem que a produção da indústria nacional, em maio, teve queda de 0,9%, influenciada pelo desempenho das fábricas gaúchas. Conforme a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), o desempenho do setor teve queda de 11,8% ante abril. É bem possível que os resultados de junho ainda indiquem recuperação penosa da atividade. _

EDITORIAL

04 DE JULHO DE 2024
CONTAS PUBLICAS

CONTAS PUBLICAS

Lula autoriza corte de gastos de R$ 25,9 bi, afirma Haddad

Ministro da Fazenda fez anúncio à noite, após dias de turbulência no mercado financeiro, com escalada do dólar, que ontem cedeu. Valor foi definido a partir de pente-fino em despesas. Presidente garantiu que responsabilidade fiscal é "um compromisso" e determinou que seja cumprido o arcabouço

Contas públicas

O anúncio ocorreu após dias de turbulência, com uma sequência de altas na cotação do dólar causada, em parte, por desconfianças do mercado em relação à disposição do governo de reduzir gastos.

- Primeira coisa que o presidente determinou é cumprir o arcabouço fiscal. Não se discute isso. São leis que regulam as finanças no Brasil e serão cumpridas. O arcabouço será preservado a todo custo - afirmou Haddad.

Segundo ele, o valor do corte foi definido após pente-fino realizado nos últimos meses.

- Não é um número que o Planejamento tirou da cartola. Por isso que levou 90 dias. É um trabalho criterioso, não tem chute. Tem base técnica, é com base em cadastro, com base nas leis aprovadas - disse.

O anúncio foi feito ao lado dos ministros Simone Tebet (Planejamento), Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Mudança de tom

A declaração sinalizou mudança de tom, já que os últimos dias foram marcados por uma série de críticas de Lula à autonomia do Banco Central (BC) e ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

No início da manhã de ontem, Lula teve encontro fora da agenda com Haddad no Palácio da Alvorada.

Naquele momento, o dólar já operava em queda, diante da expectativa por algum anúncio.

Votação da reforma tributária será na próxima semana; relatório sai hoje

Será divulgado às 10h de hoje o relatório preliminar do grupo de trabalho da regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. A votação em plenário deve ocorrer na próxima semana, segundo o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Ontem, o grupo se reuniu por cerca de oito horas com Lira. Na saída, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) afirmou que já existe consenso entre os integrantes da frente sobre a versão que será apresentada hoje.

Já o deputado Luiz Gastão (PSD-CE) disse que o texto será "bem diferente" do que foi enviado pelo governo. Os parlamentares, no entanto, evitaram antecipar quais serão as alterações.

Uma das dúvidas é sobre a inclusão de armamentos no rol de produtos sujeitos ao novo Imposto Seletivo, tributo que será cobrado sobre bens e serviços nocivos à saúde e ao ambiente. A possibilidade foi confirmada ontem por outro integrante do grupo de trabalho, Hildo Rocha (MDB-MA).

A incidência do "imposto do pecado" sobre armas estava prevista na proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, mas acabou retirada por meio de destaque apresentado pelo PL na votação em plenário, em dezembro. A taxação enfrenta resistência entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Carne na cesta

Ontem, Lula voltou a falar no assunto durante o ato de lançamento do Plano Safra da agricultura empresarial.

- Vou ficar feliz se eu puder comprar carne sem imposto.Prometi na campanha que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja - disse.

O assunto é acompanhado com atenção pela equipe econômica do governo, devido ao impacto do aumento das isenções na alíquota-padrão do futuro Imposto Sobre Valor Agregado (IVA, que vai substituir cinco tributos atuais).

Também ontem, após a reunião com os deputados, o próprio Lira confirmou que há dúvidas sobre a isenção da carne.

- Proteína, só da carne, significaria 0,57% de aumento da alíquota. Esse é um preço pesado para todos os brasileiros. Precisamos entender as prioridades - alegou.

Estava em discussão ainda no grupo de trabalho a possível inclusão de carros elétricos e jogos de azar, virtuais e físicos, na lista do Imposto Seletivo. _


04 DE JULHO DE 2024
POLÍTICA E PODER

Ex-governadores reivindicam apoio federal mais robusto

A cobrança mais incisiva partiu de Simon. O ex-governador disse que as providências anunciadas até agora estão aquém das necessidades e manifestou receio de que jovens migrem para outras regiões em busca de oportunidades.

- O presidente Lula e companhia têm de contemplar que o Rio Grande está um caos. Não estamos pedindo esmola, pedindo favor. Estamos em uma situação em que praticamente não podemos subsistir - frisou.

Para Yeda, há um "emperramento" na compreensão do que aconteceu no RS, apesar dos "movimentos visuais" do governo federal.

- Ainda não está mostrada a capacidade de encarar o fato como acontecido, que é algo absolutamente catastrófico e depende de orçamento.

Em sua participação, Rigotto defendeu medidas mais ágeis na construção de habitações, na recuperação do aeroporto Salgado Filho e no auxílio à manutenção de empregos. Ao mesmo tempo, preconizou a formulação de uma pauta unificada de reivindicações, que una o governo estadual, diferentes forças políticas e entidades.

- Com um falando uma coisa e outro falando outra, enfraquece nossas ações.

Governador entre 1983 e 1987, Jair pregou que o governo federal chancele a contratação de um empréstimo vultoso para a reconstrução.

- Se não houver isso, não vamos recuperar o Rio Grande em tempo hábil.

Último dos cinco a ocupar o Piratini, Sartori também exaltou ações de solidariedade e salientou que a Constituição prevê responsabilidade da União no combate a calamidades.

- Me preocupa muito o grau dilatado da divergência e da partidarização que tomou o tema da recuperação do Estado, inclusive procurando antecipar o processo eleitoral. Vejo muito discurso político de quem deveria ajudar mais, e pouca prática - discursou.

O evento foi mediado pelo presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa. O vice-governador Gabriel Souza também discursou. _

PAULO EGÍDIO

Não basta somente ser responsável

Ao presidente da República não basta ser honesto, é preciso parecer honesto. O mesmo vale para a responsabilidade. Ontem, em discurso no lançamento do Plano Safra Agricultura Familiar, no Palácio do Planalto, Lula afirmou que responsabilidade fiscal não é palavra, "é compromisso do governo desde 2003" e que "a manterá à risca". Ora, não basta ser responsável, como o presidente apregoa, é preciso parecer como tal.

Ao que parece, finalmente alguém - e esse homem foi o ministro Fernando Haddad - teve coragem de dizer ao chefe que suas palavras têm impacto no mercado. Lula já deveria saber disso. Mas, como se sabe, não desceu do palanque desde o dia em que foi eleito, em 2022. A portas abertas, continua dizendo o que lhe vem à mente, esquecendo-se de que, com a faixa presidencial no peito, cada frase faz mexer os ponteiros das relações externas, do dólar e da inflação.

Os impactos das críticas à taxa de juro e à atuação de seu malvado favorito, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foram de alguma forma contidos por ações práticas de seu governo, no encaminhamento de necessárias reformas tributária e da previdência. Mas, principalmente, tendo Haddad na figura de bombeiro.

Nos últimos dias, a verborragia presidencial fez a cotação da moeda americana escalar diante da incerteza do mercado com a trajetória fiscal. Esse movimento pode descambar para a economia real, encarecendo produtos e levando o BC a aumentar a taxa básica de juro para conter a inflação.

Pelo bem e pelo mal, o país sairia ganhando se o presidente adotasse maior discrição - ao menos até as próximas semanas. Em outras palavras, não apenas sendo responsável em termos fiscais. Mas também parecendo como tal. _

Um gigante como referência no tratamento contra o câncer

O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) está prestes a inaugurar o seu Centro de Oncologia. A expectativa é de que o ato ocorra entre julho e agosto.

Apesar de parte da unidade já estar em uso, em quatro andares, e outra nos acabamentos, a intenção é realizar um ato oficial de inauguração, contando com a presença da ministra da Saúde, Nísia Trindade, e do presidente Lula.

Na semana passada foi concluído o processo de doação do terreno - que fica no cruzamento entre as ruas Francisco Trein e Umbu, no bairro Cristo Redentor - entre a prefeitura e a instituição.

Localizado junto ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, na Zona Norte, o espaço funcionará com atendimento total pelo SUS e terá mais de 14 mil metros quadrados, em sete andares.

O projeto foi elaborado em 2014, já a obra teve início em fevereiro de 2018. Ao todo, foram mais de R$ 143 milhões.

A unidade possui espaço para quimioterapia, radioterapia, internação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes oncológicos e hematológicos. Há também dois aceleradores lineares. _

Primeiro sinal de Joe Biden

Desde 27 de junho, cada fala ou expressão de Joe Biden é escrutinada no detalhe. Além de saúde e idade, o que preocupa é o impacto político e eleitoral.

Em meio a esse temor, surgiu o primeiro sinal de que o presidente dos EUA pode desistir. Um aliado afirmou ao The New York Times que ele estaria avaliando se ainda seria capaz de salvar sua candidatura. Ele também teria comentado que, se não conseguir convencer o público nos próximos dias, poderia retirar-se da campanha. _

Bicentenário e o 4 de Julho

No 4 de Julho é comemorado o Dia da Independência dos Estados Unidos. A data faz alusão à Declaração de Independência de 1776, quando ocorreu a separação do Império Britânico.

Em comemoração à data e ao bicentenário das relações diplomáticas entre os EUA e o Brasil, a equipe do Consulado-Geral dos Estados Unidos em Porto Alegre realizará hoje serviços comunitários de projetos da Defesa Civil para comunidades em vulnerabilidade da cidade. _

Evento discutirá a recuperação do RS

Um seminário para discutir a recuperação do Estado reunirá entidades de direito e economia na Unisinos na próxima terça-feira.

O ato contará com membros da Federarroz, prefeitura de Porto Alegre, governo do Estado, CEEE Equatorial, Aegea, Banrisul, UFRGS, Fundação Getulio Vargas (FGV) de SP, PUCRS, entre outras instituições. O evento é promovido pelo Instituto CMT Conecta. _

"Meu desejo é em outubro ter o aeroporto funcionando. Mas só poderei dizer de forma objetiva com a conclusão dos estudos da pista."

Paulo Pimenta

Ministro Extraordinário de Apoio à Reconstrução à GloboNews na última terça-feira.

A partir de janeiro de 2025, os parlamentares da próxima legislatura da Capital passarão a receber R$ 23,4 mil. Acha muito? Dentro de três meses, teremos a oportunidade de reavaliar quais dos vereadores que fazem jus a esse valor.

INFORME ESPECIAL 

quarta-feira, 3 de julho de 2024



03 DE JULHO DE 2024
CARPINEJAR

Menino elefante

Eu tive graves problemas de dicção, o que retardou a minha alfabetização. A oralidade prejudicava a compreensão escrita das palavras.

Devido ao céu da boca estreito, dentes absolutamente irregulares, língua presa, fui zombado na escola. Os colegas tentavam aplicar em mim simpatias da gagueira nada simpáticas, como me pregar susto, como me fazer correr em fuga, como me obrigar a ler em voz alta bulas de remédio com expressões médicas que soavam engraçadas pela minha pronúncia errática.

Eles não queriam que eu melhorasse, queriam rir das minhas limitações. Foi um período de aceitação que me fez entender o quanto a maldade é banal. Enquanto a maior parte da turma vibrava com o sinal do recreio, eu entrava em pânico, tendo que lidar com novos escárnios.

Não era levado a sério. Terminava sendo visto como o louco da sala de aula, o palhaço involuntário, o piá feio e desengonçado, o sem futuro, o patinho feio, recrutado à força para humilhações em praça pública. No refeitório, jogavam o sagu em cima da minha roupa. Na educação física, baixavam a minha calça quando estava desprevenido. No pátio, empurravam-me de uma pessoa a outra, esperando que eu caísse.

Por isso, eu chorei sem parar ao assistir, já adulto, ao filme O Homem Elefante, de David Lynch. Realizei uma catarse no cinema escuro e vazio: havia sido um menino elefante. Nunca troquei de escola, de sala de aula, não existia essa possibilidade de remanejamento na minha época espartana. Precisava me adaptar dentro de mim. Passei a dedicar horas semanais à fonoaudióloga, procurando mitigar os danos.

Naqueles momentos, na paz do consultório, com a porta trancada, eu tive o primeiro contato com a infância em minha vida. Ali, conseguia brincar livremente, sem ameaças externas. Quem sofre, ainda que seja criança, não tem infância - amadurece precocemente.

No início, estranhei os métodos, já que estava tão acostumado a desconfiar de todos.

Zulmira pediu que eu usasse bico. Zulmira pediu que enchesse balões. Zulmira pediu que soprasse língua de sogra na frente do espelho. Eu olhava para ela e perguntava:

- Tem certeza disso? Eu não deveria estar me tratando? Não deveria ser curado em vez de perder tempo com brincadeiras? Ela me ensinava: - Você não está doente. Não há nada de errado com você.

Não sei explicar direito, mas a medicação dela funcionou: a confiança. Eu comecei a confiar em mim, a treinar leituras de noite para falar o básico. Uma conversa trivial na rua exigia minha completa concentração. Enquanto os mais próximos se comunicavam facilmente, eu possuía a noção de que cada frase inteligível que saísse de minha boca seria uma vitória pessoal. Ninguém notava quando acertava, só quando errava. Não poderia me comparar aos meninos de minha faixa etária - unicamente eu festejava minhas graduais correções, o quanto evoluía secretamente.

Voltei a ser bebê de colo. Carreguei a mim mesmo, até me tornar quem hoje sou, uma criança crescida. 

CARPINEJAR


03 DE JULHO DE 2024
MÁRIO CORSO

As penas dos dinossauros

A ciência nos deixa inquietos. Existem mais novidades do que tempo para estudá-las. O que aprendemos na escola está atrasado. Os indivisíveis átomos, com seus prótons, nêutrons e elétrons, não estão errados. Mas na verdade não são elementares, e sim compostos por 17 partículas fundamentais, agrupadas em três categorias: os quarks, léptons e bósons.

Enquanto o micromundo das partículas se complexifica, o macromundo expande-se. Nosso planeta, que já foi centro do universo, é cada vez mais cosmicamente insignificante. Circunda uma estrela, dentro de uma galáxia, que abriga entre 200 bilhões e 400 bilhões de estrelas. Já a Via Láctea é uma galáxia entre aproximadamente dois trilhões de galáxias.

A biologia aposentou a classificação que conhecemos: reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie. Agora vale a classificação cladística, que organiza os seres pela evolução, pelos ancestrais em comum.

Embora trabalhoso, é um privilégio poder acompanhar os avanços da ciência. Sempre me entusiasmei até que tropecei em algo inaceitável. A cladística, citada acima, deixa claro que os dinossauros não foram extintos. As aves são dinossauros.

Atenção, elas não provêm dos dinossauros, elas são dinossauros. Nem todo dinossauro é ave, mas toda ave é dinossauro.

O que surpreende na cladística é que tenha demorado tanto a existir. É a mais lógica das classificações. Meu problema é outro, novos fósseis, mais bem conservados, nos mostram que a posse de penas era mais ampla e antiga do que imaginávamos.

O golpe fatal veio ao encontrarem um ancestral dos dinossauros, com penas. Os paleontólogos concluíram que as penas não são características das aves, mas de todos os dinos.

Eu aceito o fato, mas sob protesto. O que eu e os amantes de dinossauros faremos com a imagem que temos deles? Para nós, eles não são apenas animais, são uma fauna mágica, a prova de que os dragões existiram. Eles operam como Titãs, antepassados míticos, poderosos no passado, dominaram o mundo, e depois sumiram.

Caros paleontólogos, nós não merecemos que eles percam a derme crocodilesca e sejam representados com penas coloridas, com penachos. Quem vai respeitar um galinhão gigante?

MÁRIO CORSO

 03 DE JULHO DE 2024

OPINIÃO

Rajada de tiros no pé

Tem sido desastrosa, para o país e para o próprio governo, a sequência de entrevistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrando-se hesitante quanto à responsabilidade fiscal e repetitivo nos ataques ao Banco Central (BC), personificados no chefe da autarquia, Roberto Campos Neto. É uma rajada de tiros no pé. Fica difícil entender a razão da reiteração de Lula, uma vez que o resultado visível é um impulso ainda maior na alta do dólar, junto à piora das expectativas econômicas. As consequências são o oposto do que o presidente diz querer. Ganham apenas os especuladores e os rentistas, que o governo costuma condenar.

Ao continuar a ser evasivo sobre revisão de despesas, após a constatação de que o ajuste das contas públicas apenas via elevação das receitas se esgotou, Lula intensifica a desconfiança quanto ao cumprimento do novo arcabouço fiscal. Isso significa, à frente, inflação maior, juro mantido em patamar alto e desaceleração da atividade econômica. É um cenário ruim para o Brasil e para os brasileiros e, ao fim, para a popularidade do governo.

O presidente da República também deveria perceber que, ao tratar a interrupção do ciclo de corte da Selic como uma maquinação pessoal de Campos Neto, pretensamente motivada por razões políticas e ideológicas, acaba minando a credibilidade do futuro presidente do BC - que o próprio Lula indicará - na condução da política monetária. Ao agir dessa forma, fortalece o temor de que escolherá alguém influenciável pelas pressões do Planalto. No limite, isso significa ser permissivo com a inflação e disposto a baixar o juro à força, situação que ajudou a produzir a recessão de 2015 e 2016.

O ambiente externo não é favorável, em especial devido às dúvidas sobre o corte de juro nos Estados Unidos. Ocorre que, se a sinalização interna contribui para azedar ainda mais o humor, há logicamente uma maior aversão ao risco. É natural que os investidores, percebendo a possibilidade de repetição de erros de um passado recente, montem posições em ativos que se valorizam com a piora dos fundamentos do país. Mostra-se contraproducente tentar manter uma queda de braço com o mercado. O resultado tem sido uma deterioração significativa da moeda brasileira, fator de pressão inflacionária.

O real é uma das divisas que mais perderam valor ante o dólar no ano e a bolsa brasileira está entre as com o pior desempenho no mundo. O aumento das expectativas de inflação diminui a possibilidade de retomada do ciclo de corte da Selic. Desta forma, o próprio governo cria incertezas com o potencial de afetar o crescimento da economia, que até aqui apresenta desempenho positivo, inclusive com números fortes no mercado de trabalho.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá hoje uma reunião com Lula e apresentará opções para o cumprimento do arcabouço fiscal neste ano, no próximo e em 2026. À mesa, estarão alternativas para a revisão de gastos. O melhor para o país seria o presidente deixar de negar o óbvio e estancar a verborragia. 

Opinião do leitor

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OPINIÃO


03 DE JULHO DE 2024
ACERTO DE CONTAS

Indenização ajuda mercado de carros Mutirão para ajustar problemas

Espaço de R$ 5 milhões para eventos com vista para o Guaíba. Retomada em fábrica de alfajores.

- Voltaremos com a mesma capacidade de antes: 10 mil alfajores por hora - explica o sócio Jeison Scheid. As primeiras cargas serão para distribuidores e pontos de venda. Ainda em julho, serão enviados pedidos de consumidores feitos quando a empresa estava alagada e fez pré-venda para manter o caixa. Foram 32 mil alfajores por R$ 548 mil, somados a R$ 90.261 no pacote que incluía doces e um final de semana em SC com aulas de surfe. O valor foi usado para pagar os funcionários. _

O Pontal Shopping, em Porto Alegre, terá um espaço de eventos com investimento de R$ 5 milhões e vista para o Guaíba. O Vista Pontal terá 1,4 mil metros quadrados, capacidade para 800 pessoas e ficará no quarto andar da torre do hotel Double Tree by Hilton, acima da praça de alimentação. A obra começou há um ano, gerando 400 empregos até agora, e a inauguração será em outubro.

- Estaremos preparados para casamentos, formaturas, aniversários, coquetéis, palestras, convenções, feiras e exposições. É um salão grande, com varanda externa. Há espaços que podem ser divididos para eventos menores - diz Ana Leite, sócia da Inventa Evento, empresa que vai fazer a gestão do espaço.

O investimento é das empresas DC Set Group e Tornak Holding. O aporte foi usado em nova iluminação, camarins, adaptações da cozinha, câmaras frias, depósito e salas. _

ACERTO DE CONTAS


03 DE JULHO DE 2024
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Infelizmente votamos em pessoas. Não em ideias

Certa vez, entrevistado por um jornalista em seu exílio em Madri, Juan Domingo Perón explicou:

- Veja, na Argentina, há uns 30% de radicais, que vocês entendem aqui como liberais, uns 30% de conservadores e outro tanto de socialistas.

O jornalista, surpreso, retrucou. - Mas e os peronistas? Perón riu e disse. - Peronistas somos todos.

Na segunda-feira, completaram-se 50 anos da morte de Perón. Seria arriscado - e um pouco impreciso - dizer que a América Latina, ou mesmo Perón, pariu o populismo. Mas talvez em poucos lugares do mundo esse modus vivendi político encontrou terreno tão fértil. Aliás, tem coisas que só ocorrem mesmo por aqui: onde mais marxismo se encontraria com cristianismo senão na América Latina?

Mas voltamos ao populismo e sua definição: a prática política na qual o governante, em geral com bandeira nacionalista, cria uma relação direta com o povo por meio de seu carisma, ações assistencialistas e discurso de união das massas.

Eu acrescentaria uma característica a mais: o personalismo. Votamos em pessoas, não em ideias ou partidos. Dias atrás, o presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, disse o seguinte:

- Queremos o Bolsonaro candidato a presidente do Brasil pelo PL. Agora, se ele não for, quem decide quem vai ser o candidato é o Bolsonaro. Quem decide quem vai ser o candidato a vice-presidente é o Bolsonaro.

O que seria isso senão personalismo? Ou, do outro lado do espectro político, o que explica, além do personalismo e da ganância pelo poder, Lula dizer que se todos indicadores mostrarem que só ele pode derrotar a extrema direita, pode ser candidato de novo em 2026?

Nesses pagos, populismo se confunde com caudilhismo: o herói, o salvador da pátria, o pai dos pobres, o mito. Das antigas: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e Jango. Da América hispânica, além de Perón, Simón Bolívar, Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales. Do Brasil contemporâneo, Bolsonaro e Lula.

Aliás, as redes sociais turbinam o populismo:

- Relação direta com as massas: o que mais um populista dos tempos atuais deseja senão usar o X para dispensar a imprensa profissional, e, pretensamente (e falsamente), se comunicar diretamente com o público?

- Nacionalismo: que outro momento histórico, além dos anos 1930 do século 20, esse movimento esteve tão em voga?

- Carisma: bem, nesse caso, se o político em questão não o tiver, as próprias redes se encarregam de criar. Artificialmente, é claro. _

Teatro Dante Barone passará por reforma histórica

O Teatro Dante Barone, localizado na Assembleia Legislativa do RS, passará por uma reforma. Será a maior intervenção em 54 anos, desde a sua inauguração em 1970. Serão investidos R$ 23 milhões e o tempo de obra será de 18 meses. Com isso, o local ficará fechado até o final de 2025.

A reforma ocorrerá principalmente no telhado, na iluminação, no sistema de som e em equipamentos de segurança. O auditório também deve ganhar mais 30 assentos após a execução dos trabalhos, chegando a 630 cadeiras. _

Pesquisador de desastres na Capital

O americano é responsável por supervisionar as operações e o planejamento estratégico da universidade, além de projetos relacionados à prática e política de preparação para desastres.

Em seu histórico, Jeffrey atuou durante a resposta ao furacão Katrina, em 2005, ao liderar esforços de preparação e resposta a emergências, além de atuar na coordenação de recursos e suporte para as comunidades afetadas.

O evento precisou ser adiado em razão da enchente de maio e agora ocorrerá em 15 de agosto no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre. Os ingressos podem ser adquiridos no Sympla. _

Três meses de condutas vedadas

Como tratamos ontem neste espaço, no sábado entram em vigor condutas vedadas, ou seja, ações que são proibidas durante o período pré-eleitoral.

- São condutas que passam a valer exatamente três meses antes do pleito - explica a especialista em direito eleitoral, Gabriele Valgoi.

Principais medidas

Nomeação de servidores -  Agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir sem justa causa servidores.

VERBAS

Agentes públicos estão proibidos de fazer transferência de recursos federais e estaduais aos municípios. Exceto para obras que já estão em andamento ou em situação de emergência.

Publicidade estatal

A divulgação de ações governamentais está proibida. Pronunciamentos em rádio e TV, além de divulgação em sites oficiais ou redes sociais.

Inauguração de obras

Proibida a participação em inaugurações de obras públicas e contratação de shows.

Braskem doa "placas de estrada"

Chegou ontem ao Rio Grande do Sul 1,2 mil road plates, também conhecidas como "placas de estrada", doadas ao Estado pela multinacional holandesa Braskem.

Feito de plástico reciclado, o produto é antiderrapante e pode ser utilizado em estruturas temporárias de obras de reconstrução de estradas e vias de passagem de pedestres e veículos.

A quantidade doada corresponde a 3,5 mil metros quadrados, podendo ser montada em várias configurações, uma espécie de "lego". O material pode chegar a uma extensão de 3,2 quilômetros.

Foram quatro carretas que transportaram o material, que saiu do porto de Antuérpia, no norte da Bélgica, desembarcou no porto de Santos (SP) e chegou na sede da Defesa Civil em Porto Alegre. _

INFORME ESPECIAL

terça-feira, 2 de julho de 2024


02 DE JULHO DE 2024
CARPINEJAR

A trégua do inverno

Nunca um inverno foi tão aguardado. As temperaturas baixaram no Estado. Estão zeradas em algumas cidades como Caxias do Sul. Estão negativas em cidades como São José dos Ausentes. A capital gaúcha amanheceu com 2,4ºC ontem.

A neblina significa que não haverá chuva violenta, que não haverá enchente, que não precisaremos medir os rios com medo de seu transbordamento. Se perguntar a qualquer gaúcho o que ele prefere entre os extremos de nossa vida, o calor ou o inverno, dirá que é o frio.

Suportamos o gelo como uma condição inerente de nosso Pampa. O Minuano é a nossa segunda pele. Nossas melhores lembranças são desafiando o vento gelado da serra ou do campo. Nossos milagres se resumem a sempre ver a neve.

Temos mais apetite. Temos mais vontade de trabalhar chutando a geada. Sentimo-nos mais corajosos na estrada. Levantar cedo já é motivo de orgulho - proclamamos a todos que ainda era noite ao sair para o expediente. O chimarrão fica mais gostoso. A família se torna mais unida e próxima dentro de casa.

Este inverno é um antídoto da tragédia. Vai nos devolver um pouco a normalidade que perdemos nos últimos meses. Agirá como uma trégua para remontar as existências, uma suspensão provisória do pânico para colar os pedaços de nosso desamparo.

Recordaremos o prazer que é descascar uma bergamota, ou segurar uma xícara quente de café com ambas as mãos, deixando a fumaça banhar o rosto. Recordaremos a alegria que é procurar o lado do sol da calçada. Recordaremos chatices tão tolas como carregar os casacos na mão durante o almoço. Recordaremos arrependimentos ingênuos como o de não usar ceroula, negando o conselho dos pais, ou de não soprar as polentas antes de comer, queimando assim o céu da boca. Recordaremos o temor infantil das portas batendo. Recordaremos a nossa alergia e os longos espirros consecutivos diante da lã guardada.

Evocaremos invernos antigos em que nada nos ameaçava tanto. As meias que secávamos atrás da geladeira. O ritual de descer as roupas do alto do armário, de acumular edredons em cima da cama a ponto de não conseguir se mexer, de resgatar o poncho para passeios no domingo, de desenhar palavras engraçadas nos vidros traseiros dos carros dos amigos, de rezar para o chuveiro permanecer quente até o final do banho.

Seremos livres e espontâneos no ambiente doméstico, desfilando pantufas e sobreposição estranha de trajes, subjugando a elegância pelo conforto. Existirá também uma melancolia benéfica que nos permitirá ouvir canções tristes e milongas, para organizar as nossas emoções e pensamentos.

Pois a solidão não nos assusta, o recolhimento não nos intimida. Podemos nos sentar na janela para momentos de introversão, observando os movimentos lentos da natureza. Podemos aguentar o silêncio, desde que tenhamos nossa residência seca e intacta, protegida e salvaguardada da enxurrada do outono.

Neste inverno, vamos nos agasalhar de esperança. Que ela seja o começo de teto para 6.554 desabrigados. Que todo abraço passe a ser um cachecol. Vamos nos agasalhar de esperança. Que ela seja o começo de teto para 6.554 desabrigados. Que todo abraço passe a ser um cachecol

CARPINEJAR

02 DE JULHO DE 2024
NILSON SOUZA

A ilusão e as mentiras

Você pode não acreditar, mas este cronista que te convida à leitura de textos leves nas terças-feiras é capaz de fazer uma mágica. Um truque, na verdade, mas que até impressiona os observadores quando tudo sai certo. Nada de muito espetacular: minha magia consiste em fazer com que bolinhas de papel atravessem o tampo maciço de uma mesa e apareçam milagrosamente embaixo de um chapéu.

Aprendi com Mister N, meu irmão Newton, quando éramos crianças. Meu pai tinha um desses botecos de periferia e a meninada passava o dia brincando nas proximidades. Numa tarde, apareceu um sujeito fanfarrão. Reuniu a garotada em torno de uma mesa e avisou que faria uma mágica. Todos arregalaram os olhos. 

O homem colocou duas bolinhas de papel em cima da mesa, distantes cerca de 50cm uma da outra. Com dois chapéus, cobriu cuidadosamente cada uma delas. Pegou uma terceira bolinha e colocou a mão embaixo da mesa, dizendo que a faria atravessar a madeira. Então levantou um dos chapéus e apareceram duas bolinhas sob ele. Espanto geral. Fez o mesmo com outra e apareceram três. Finalmente, pronunciou uma palavra mágica e as quatro bolinhas foram parar embaixo do mesmo chapéu.

Parecia mesmo magia. Menos para meu irmão, que fixou o olhar nas mãos do ilusionista e percebeu que ele levava uma bolinha entre os dedos cada vez que levantava o chapéu para mostrar o resultado da transferência. Logo todos aprendemos a manobra e a brincadeira perdeu a graça.

Resgatei essa historinha do baú da infância quando soube que, em setembro, estará se apresentando em Porto Alegre o célebre Mister M, o mágico mascarado que ficou famoso nos anos 1990 por revelar truques de seus colegas de ofício. Astro das noites de domingo no programa Fantástico, sempre apresentado pela voz tonitruante de Cid Moreira, Mister M conquistou tanto fãs quanto inimigos. 

Na época, um grupo de ilusionistas chegou a entrar com uma ação na Justiça para suspender seu quadro. Ele revelava a verdade, mas ficou com a desagradável pecha de delator. Seu retorno aos palcos não poderia ser mais emblemático numa época em que tanta gente acata e repassa mentiras de redes sociais sem ao menos procurar a bolinha escondida entre os dedos dos mentirosos.

NILSON SOUZA

02 DE JULHO DE 2024
EDITORIAL

Era esperado que o tema da adaptação às mudanças climáticas e das medidas para mitigar as consequências de eventos meteorológicos extremos fosse uma das principais pautas da eleição municipal de 2024. Este espaço tratou dessa questão em novembro último, após os três episódios de enchentes e enxurradas no Estado ao longo do ano passado. 

À época, já se ressaltava que a prevenção a desastres naturais deveria estar ao lado de outras preocupações tradicionais, como saúde e educação. A cheia já mexe com as estratégias de campanha na Capital, como mostrou reportagem de Fábio Schaffner publicada ontem em Zero Hora.

É positivo que as candidaturas busquem informações e consultem especialistas para formular seus programas de governo ou de atuação legislativa nas câmaras de vereadores. Bons planejamentos precisam estar ancorados no conhecimento. A prioridade deve ser a elaboração e a apresentação de propostas robustas e factíveis. 

No caso de Porto Alegre e outros municípios da Região Metropolitana, a principal atenção será com os sistemas de proteção de cheias. Em outras regiões, como a Serra e os vales, temas como proteção de encostas, recuperação de mata ciliar, remoção de moradores de áreas de risco e planos diretores estarão no centro dos debates. Cada município tem a sua realidade.

Espera-se que o tom predominante ao longo da campanha eleitoral seja o propositivo, em vez de ataques e trocas de acusações. O primordial é sinalizar aos eleitores o que será feito, como será executado e com quais recursos. Apontar eventuais erros e omissões é inevitável. Mas o basilar é saber quais medidas poderão ser tomadas em âmbito municipal para evitar mais prejuízos materiais e perdas de vidas no futuro.

Conta-se também que candidaturas e partidos, notadamente nas regiões mais atingidas pela última enchente, tenham o senso de responsabilidade de aguardar o período formal de campanha, que terá a largada em agosto. O momento, nos municípios afetados, é de reconstrução. Essa é a prioridade. Nesta fase, a politização é um desserviço ainda maior. Tende a acirrar ânimos e fomentar divisões na sociedade. Prejudica a união necessária para reerguer as cidades. O próprio eleitor deve estar atento aos oportunistas e aos que se dedicarão mais a maldizer adversários do que a apresentar soluções exequíveis.

A adaptação às mudanças climáticas deixou de ser uma discussão apenas teórica, com possíveis reflexos distantes no tempo. As consequências são visíveis e palpáveis, na forma de destruição de casas, prejuízos financeiros, infraestrutura arrasada e mortes. Dos menores aos maiores municípios gaúchos, é dever olhar não apenas para os próximos quatro anos, mas décadas adiante. Os futuros administradores e legisladores têm de estar à altura do desafio à frente. O custo do desleixo e da inépcia é demasiado caro.

EDITORIAL

02 DE JULHO DE 2024
POLÊMICA DO JURO

POLÊMICA DO JURO

Lula volta a questionar autonomia do BC; dólar sobe e alcança R$ 5,65. Quem quer o Banco Central autônomo é o mercado - alegou o presidente, em entrevista à Rádio Princesa, em Feira de Santana, na Bahia.

- Tenho de ter muita paciência na hora de indicar outro candidato e ver se a gente consegue que o presidente do BC olhe um pouco este país do jeito que é, e não do jeito que o sistema financeiro fala - complementou.

Lula disse que a inflação está "controlada" e alegou que manter o índice baixo, para ele, "não é um desejo, é obsessão" .

Lula ainda voltou a mencionar o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem tem endereçado críticas nos últimos meses, e afirmou que não pode alguém "ter um mandato e ser mais importante do que o presidente da República":

- O BC tem de ser de uma pessoa que seja indicada pelo presidente. Como é que pode um presidente da República ganhar as eleições e depois não poder indicar o presidente do BC? Estou há dois anos com o presidente do BC do Bolsonaro.

Em alta

Após trocas de sinal pela manhã e no início da tarde, o dólar à vista disparou nas duas últimas horas de negociação e encerrou o pregão de ontem em alta de 1,16%, cotado a R$ 5,6533 - no maior valor de fechamento desde 10 de janeiro de 2022 (R$ 5,6743). Na máxima, a divisa atingiu R$ 5,6578. Foi o quinto pregão consecutivo de valorização da moeda, que já acumula aumento de 16,48% no ano.

O real segue castigado pelo que os analistas já classificam como crise de confiança no governo Lula, associada ao ceticismo com o cumprimento do novo arcabouço fiscal e a temores de ingerência nas decisões de política monetária a partir de 2025, quando Campos Neto, será substituído por nome indicado por Lula.

A moeda brasileira não apenas terminou o dia com perdas bem maiores que a de seus pares latino-americanos, como os pesos chileno e mexicano, como apresentou o pior desempenho entre as principais divisas globais.

Fatores externos, porém, também explicam a valorização do dólar, como o aumento das chances do republicano Donald Trump na corrida presidencial após o desempenho desastroso do presidente Joe Biden em debate no fim da semana passada. _

Polêmica do juro

Presidente reclamou do fato de atual dirigente da autoridade monetária ter sido indicado por antecessor. Real registrou a maior perda entre as moedas latino-americanas



02 DE JULHO DE 2024
informe especial - Rodrigo Lopes

A nossa responsabilidade

O dever começa na porta de casa

Falando em "responsabilidade nossa de cada dia", quem circula pela Cidade Baixa, bairro da região central de Porto Alegre, observa em bueiros a mensagem: "O Guaíba começa aqui". Ontem, a repórter fotográfica Camila Hermes capturou alguns registros pelo bairro.

Na escola, aprendemos que toda a água - e toda a sujeira - que entra na boca de lobo, consequentemente, vai parar no lago e esse é o objetivo da mensagem: mostrar que o cuidado com a enchente começa na porta de casa. _

Porto Alegre fora da rota do Lula

O presidente Lula viajará por várias capitais durante essa semana para cerimônias de entrega de obras. A tática é apoiar os pré-candidatos do PT às prefeituras. Porto Alegre não está prevista no roteiro.

A corrida precisa encerrar até o sábado, quando condutas passam a ser vedadas no período eleitoral. A coluna conversou com a especialista em direito eleitoral Gabriele Valgoi sobre o assunto.

Entre as regras, fica proibido nomeação de servidores; transferência de verba do governo federal ou estadual aos municípios; publicidade estatal em rádio, TV, sites oficiais e redes sociais; e inauguração de obras públicas. _

Menos presos

O Ipea projeta que entre 1% e 2,4% da massa carcerária pode ser beneficiada pela decisão do STF que estabeleceu o limite de 40 gramas de maconha para separar usuários de traficantes, o que representa entre 8 mil e 19 mil presos. Condenados por porte de menos de 40 gramas têm direito a pedir revisão. _

Racismo francês

A peça é obra do Parti de la France, um grupo pequeno da extrema direita. Em seu site, a legenda se mostra orgulhosa do cartaz, mas, depois que o episódio virou caso de polícia, disse que vai trocá-lo por outra imagem (acima, à direita), que mostra imigrantes subindo em um avião. A frase: "Que retornem para a África".

Trocaram o racismo pela xenofobia, dois lados de uma mesma moeda. _

Em Sapiranga

O Hospital de Sapiranga está investindo R$ 1,5 milhão para modernizar a unidade. A maior parte do montante é dos deputados Bohn Gass (PT) e Marcel Van Hattem (Novo), com R$ 600 mil. Outros R$ 995 mil são do próprio hospital.

A instituição atende mais de 50 cidades. _

Polos de inovação

Tel Aviv subiu para 4º lugar no ranking dos principais ecossistemas de inovação global, segundo a Startup Genome, que analisa 4,5 milhões empresas. Cinco fatores são olhados: desempenho, acesso e qualidade de financiamento, alcance de mercado, recrutamento de talentos e conhecimento. _

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 1 de julho de 2024


01 DE JULHO DE 2024

Um fantástico medo de tudo

A musa da temporada é magrela, tem os olhos esbugalhados e fala sem parar. Todo mundo já topou com essa peste em algum momento, mas muitos experimentam uma relação de coabitação compulsória permanente. É o caso de Riley, personagem de Divertida Mente 2, a animação da Pixar que todos os adultos deveriam assistir. Se no primeiro Divertida Mente (2015) Riley lidava com sentimentos como Raiva e Nojinho, agora, aos 13, ela é obrigada a conviver com a irrefreável Ansiedade.

A Ansiedade não é uma vilã descarada. Na verdade, ela se vê como uma espécie de rede de segurança contra todos os perigos do mundo, reais ou imaginários - do apocalipse nuclear a um vexame no Instagram. Enquanto o cérebro acelera rumo ao modo pânico total, o corpo interpreta esse caos emocional como um perigo real. O problema pode ser um gatinho, mas para a Ansiedade é sempre como se um leão estivesse prestes a dar o bote.

Divertida Mente 2 estreou poucas semanas antes do lançamento de A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais, previsto para chegar às livrarias em 12 de julho. Há mais de três meses na lista de best-sellers dos EUA, o livro do psicólogo social Jonathan Haidt esquentou ainda mais a conversa sobre o papel das redes sociais no aumento do sofrimento mental, principalmente entre os jovens nascidos entre 1995 e 2010.

Para Haidt, a primeira geração a entrar na puberdade com um smartphone na mão encarou uma espécie de tempestade perfeita: proteção demais na rua, proteção de menos na rede. Essa combinação inédita não apenas bagunçou as etapas naturais do amadurecimento emocional como substituiu experiências importantes de interação e socialização por atividades virtuais solitárias - e viciantes. "É como se as crianças estivessem assistindo a um vídeo que ensina a caminhar, em vez de irem para o chão para aprender a cair e levantar", compara o psicólogo.

O autor defende quatro providências imediatas para interromper o ciclo de adoecimento: 1) Smartphone só no Ensino Médio, 2) Rede social só depois dos 16 anos, 3) Escolas sem celular e 4) Mais independência e autonomia para brincar na rua, com amigos e joelhos ralados de verdade.

Resta saber se os pais serão adultos o suficiente para dar uma resposta a esse problema de forma coletiva, como sociedade, em vez de continuarem perdendo a guerra, isolados, dentro de casa.

CLAUDIA LAITANO

01 DE JULHO DE 2024

INVERNO

Estado registrou temperaturas negativas ontem em razão de massa de ar polar. Capital pode ter nova temperatura mais baixa do ano hoje, enquanto cidades no Interior devem voltar a contabilizar mínimas negativas. Sol irá permanecer na maior parte do território gaúcho

À medida que o sol aqueceu um pouco os termômetros, pontos tradicionais de caminhada, a exemplo do Brique da Redenção e o trecho 3 da Orla, passaram a receber uma quantidade maior de frequentadores - que utilizaram recursos como casacos pesados, toucas, luvas e o tradicional chimarrão para diminuir a sensação polar intensificada pelas rajadas de vento.

O frio invernal colocou à prova as diferentes estratégias que os moradores da Capital escolhem para sair à rua com menos desconforto.

Eu esquento as extremidades, aí acaba aquecendo todo o corpo - explicava a artesã Liane Diehl, 66 anos, a um casal de amigos no Brique.

A comerciante, que vende seus produtos há 11 anos no local, lamentava que a baixa temperatura principalmente nas primeiras horas da manhã tenha afugentado boa parte dos consumidores que geralmente circulam pela Avenida José Bonifácio aos domingos:

Uns dois finais de semana atrás, não dava para enxergar o outro lado da rua de tanta gente que tinha. Agora, só depois que o sol deu uma esquentada que o movimento começou a melhorar um pouco. Antes, não tinha ninguém. Eram só expositores.

As vendas estavam boas apenas em estandes como o da comerciante Marinês Sales. O motivo era simples: sobre a mesa de madeira se via luvas, toucas e meias de lã grossa.

- Quando saio de casa, torço para que faça frio. Hoje já teve bastante procura - celebrou.

Guaíba invade a Zona Sul

ntem, o nível do Guaíba se mantinha em tendência de recuo na Capital, mas a água ainda invadia alguns pontos de calçadas e ruas na Zona Sul. Em bairros como Ipanema e Guarujá, as ondulações estimuladas pelas rajadas de vento frio seguiam preocupando moradores já traumatizados pelos estragos ocorridos durante a enchente do mês de maio. Em 24 horas, entre o começo da tarde de sábado e de ontem, a marca recuou cerca de 10 centímetros e estava em 3m37cm. A cota de inundação calculada para a Usina do Gasômetro, localizado a alguns quilômetros dali, é de 3m60cm.

Segundo a Climatempo, essa massa de ar polar mantém o ar seco e gelado ainda hoje e traz a possibilidade de geada em todas as regiões gaúchas, com exceção da faixa de praia. O frio deve ser especialmente intenso no amanhecer. - A forte massa de ar frio de origem polar que avançou sobre o sul do Brasil causou o frio extremo na madrugada e no amanhecer deste domingo, e ainda vai atuar com força sobre a Região Sul nesta segunda. No decorrer do dia, o centro dessa massa, que é a região de frio mais intenso, segue para o oceano. Isso vai permitir a diminuição do frio a partir da terça-feira - afirma a meteorologista da Climatempo Josélia Pegorim.

Ar polar é frio e seco. Com isso, tempo aberto, noites longas e o vento acalmando, formam-se geadas. Ontem (sábado), ainda estava próximo do continente um amplo ciclone extratropical, que impulsiona o ar polar e também provoca ventos - complementa Marcelo Schneider, meteorologista e coordenador do Distrito de Meteorologia de Porto Alegre/Inmet.

Participaram desta reportagem Bruno Tomé, Júlia Ozorio e Marcelo Gonzatto

Em São José dos Ausentes, a rotina de quem acorda cedo

A 40 quilômetros do centro de São José dos Ausentes, na localidade de Faxinal Preto, a lida começa junto ao nascer do sol. Nem no dia mais frio do ano até aqui a rotina mudou. Com termômetros marcando -4ºC ontem, conforme a Climatempo, a Agroindústria Fazenda Souza Pereira começa o tratamento do gado e ordenha das vacas por volta das 6h30min. A empresa familiar é especializada na produção de queijo serrano. Também trabalha com gado de corte e pinhão. A mesma realidade se repete para os demais produtores das cidades dos Campos de Cima da Serra.

Por volta das 6h45min, Marizete de Souza Pereira, 43 anos, aguardava a reportagem perto do fogão a lenha. Ali, além de se aquecer, esquentava o café para levar ao marido, Henrique Simão Pereira, 49. Entre a ordenha, o casal aproveita o camargo (bebida que é a mistura do café com o leite recém ordenhado da vaca). Uma opção, assim como o mate, para encarar o frio.

- Tem de gostar da lida - diz Pereira.

Serra

O frio, mesmo rigoroso, faz parte da rotina. O casal levanta por volta das 5h30min. O trabalho precisa seguir da mesma forma, como descreve Pereira.

- Na verdade, o frio a gente sente mesmo, né? Mas, por ser acostumado, então a gente se prende com o agasalho e toca a lida normal - conta o produtor.