segunda-feira, 22 de julho de 2024


22 DE JULHO DE 2024
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Saída honrosa para Biden

Ontem, 21 de julho de 2024, chegou ao fim, de forma honrosa, a longa carreira de cinco décadas de Joe Biden como político, que culminou na cadeira de 47º presidente dos Estados Unidos da América.

Biden foi um grande senador, especialista em política externa, parceiro, por dois mandatos, de Barack Obama, na vice-presidência, e o homem que trouxe de volta o país à política normal, depois dos atropelados quatro anos de Donald Trump na Casa Branca. Ele restabeleceu a democracia na maior economia e potência militar do planeta e reergueu a nação após a tragédia da pandemia da covid-19.

Ele sai de cena diante da deterioração do corpo e da mente. A carta, divulgada ontem, em que Biden deixa a campanha eleitoral põe fim, em réquiem doloroso, a quase quatro semanas de agonia.

Não foi em 27 de junho que Biden demonstrou fragilidades cognitivas - vem de bem antes. Mas aquela data marcou, em rede nacional, o ponto de inflexão, quando o desgaste cognitivo se mostrou, em praça pública, perante os olhos do planeta: o presidente não conseguiu completar frases, teve dificuldades para concluir raciocínios e mantinha, em alguns instantes, o olhar distante.

A capa da The Economist, bíblia dos liberais, foi de puro mau gosto nos dias seguintes: estampou um andador, sem ninguém atrás, com a insígnia presidencial à frente. Dura, inconveniente. Nos dias seguintes, Biden trocou o nome do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, pelo rival Vladimir Putin, e da vice, Kamala Harris, pelo de... Donald Trump.

Nos últimos dias, fez um discurso forte na cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas já era tarde. Em uma eleição dependente de apoiadores, em que cada palavra é escrutinada pela opinião pública a julgar a direção dos Estados Unidos e do mundo, o peso dos 81 anos se fez presente.

As pesquisas até que foram condescendentes: depois do debate do dia 27, Trump levava vantagem de três pontos sobre Biden, mas dentro da margem de erro.

Nos últimos três dias, o partido foi construindo sua retirada. Primeiro, Biden não negou quando Kamala Harris começou a ser apontada como provável substituta. Depois, disse que admitiria sair se os problemas de saúde se impusessem. Na quinta-feira à noite, foi diagnosticado com covid-19. O próprio Obama trabalhou nos bastidores por sua saída da corrida.

Não é comum um presidente dos EUA desistir de buscar a reeleição - e poucos dos que a buscaram não se reelegeram. Trump é exceção.

Pela história, pela sabedoria, pelo que fez pelos EUA como humano e político, Biden merece o respeito de saber, em uma decisão íntima, tomada no âmago da família em Delaware, a hora de apagar as luzes. 

Por que a desistência de Biden praticamente entrega a vitória a Trump

É compreensível a saída de Joe Biden, depois de três semanas de aflição em praça pública, mas, com a desistência, o democrata praticamente entrega, de bandeja, a Casa Branca para Donald Trump. Veja alguns motivos.

Assim como no Brasil, a política americana é fortemente marcada pelo personalismo. As pessoas votam em nomes, menos do que em ideias. Biden é o principal líder do Partido Democrata. Todos abaixo dele são menores. Além disso, a reeleição de um presidente é vista como algo habitual. Sua saída desmobiliza parte do eleitorado.

Falta menos de um mês para a convenção democrata - que será entre 19 e 22 de agosto, em Chicago. É pouco tempo. A saída provoca um terremoto político nas entranhas do partido, que pode, agora, realizar um debate aberto (para descobrir um novo nome) ou chegar a um consenso em torno do apoio a um candidato, Kamala Harris ou outro, na convenção.

Biden é o vencedor das prévias democratas - conquistou 3.933 dos cerca de 4,5 mil delegados. Eles deveriam, em tese, apoiá-lo na convenção do partido. Sua saída abre um racha interno, com vários nomes voltando à cena como prováveis competidores: além de Kamala Harris, o mais provável é Gavin Newson, governador da Califórnia. Correm por fora Gretchen Whitmer, governadora do Michigan, e J. B. Pritzker, de Illinois, ou o deputado Hakeem Jeffries, e o secretário dos Transportes, Pete Buttigieg.

4| Mesmo demonstrando problemas de cognição, decorrentes da idade, Biden seguia firme nas pesquisas contra Trump. Depois do fracasso do debate do dia 27, não caiu tanto. A diferença para Trump estava dentro da margem de erro.

5| Mudar o candidato a 107 dias da disputa, é, por si só, o fantasma de qualquer estrategista. Passa pelo convencimento dos apoiadores e, principalmente, dos eleitores - ainda mais em uma eleição onde o voto não é obrigatório. Agora é aqueles que decidem por Trump, que é um eleitor praticamente convertido, e aqueles que julgam uma chance de desviá-lo da vitória. Os democratas precisam de um nome que tire o eleitor do marasmo.

Bom e mau gosto

Enquanto a The Economist, na semana passada, escolheu uma ilustração que flerta com o etarismo, a Time foi jornalística e respeitosa. A capa da revista desta semana mostra Joe Biden saindo da página, e Kamala Harris, entrando. _

As chances de Kamala

Prós

Ela dá sangue novo à campanha. Depois da desistência de Biden, um otimismo imediato varreu a campanha democrata.

Promotora pela Califórnia, ex-senadora, negra e filha de imigrantes, ela conversa com o eleitorado fundamental.

Contras

Os EUA nunca tiveram uma presidente mulher e seu conservadorismo dificulta a ascensão delas.

 Kamala, embora tenha sido muito popular na ascensão da campanha de Biden, exerceu mandato com poucos feitos.

Para ficar de olho

Nos Estados Unidos, semana para ficarmos atentos à construção do nome que irá substituir Joe Biden na disputa com Donald Trump. Mas não dá para desgrudar o olho da América Latina. No próximo domingo, a eleição na Venezuela polariza direita e esquerda e draga lulistas e bolsonaristas para o debate que põe à prova a ditadura de Nicolás Maduro. _

Alerta

A desistência de Joe Biden vale como alerta para partidos no Brasil e no Exterior que constroem lideranças que se julgam eternas ou para aqueles políticos que se acham inertes à inexorável ação do tempo. A demora de Biden em desistir só fez sangrar seu partido e praticamente inviabilizou a reconquista da Casa Branca.

INFORME ESPECIAL

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