COM A PALAVRA
Filósofo, jornalista, escritor e analista político, é uma das maiores referências do pensamento liberal no planeta
Aos 80 anos, o pensador francês Guy Sorman credita a ascensão dos conservadores em seu país ao desgaste dos grupos tradicionais. Ele também vê Donald Trump com muita força na eleição americana e considera o argentino Javier Milei um "desastre para o liberalismo".
Mathias Boni
Como a eleição na França teve uma reviravolta da extrema direita à esquerda em apenas uma semana?
A vitória do centro e da esquerda é consequência de uma estratégia tática para deter a extrema direita. Um terço votou na extrema direita, um terço votou no centro e um terço votou na esquerda. Consequentemente, ninguém perdeu e ninguém ganhou. Temos agora o que chamamos de parlamento suspenso, onde ninguém tem maioria e ninguém está em posição de governar sozinho. Houve uma ilusão, após o primeiro turno, de que a extrema direita venceria, mas isso não aconteceu porque os partidos colocaram a resistência contra a extrema direita como prioridade.
Como você enxerga a posição do presidente Emmanuel Macron depois dessa eleição?
A grande surpresa é que ele se saiu até bem, porque, como falei, nenhuma maioria clara emergiu desta eleição. De certa forma, Macron está em uma posição de arbitragem, o que lhe agrada, e a sua ambição sempre foi governar com a esquerda moderada e a direita moderada. De certo modo, ele está exatamente onde queria estar. Também é preciso lembrar que, na França, a constituição dá enorme poder ao presidente.
Mesmo não sendo vencedora, a extrema direita recebeu muitos votos. Como você compreende esse fenômeno?
Marine Le Pen (líder do Reunião Nacional) conseguiu - porque é uma boa estrategista, sem nenhuma ideologia real - tornar o partido dela respeitável, de certa forma. Ela também foi capaz de remover, não completamente, a maioria dos elementos racistas, xenófobos e antissemitas do partido. A segunda explicação é que, quando se fala com o eleitorado de extrema direita, nem todos são fascistas ou nazistas. Alguns são, mas muito poucos. Há pessoas apenas curiosas para ver se este partido poderia entregar o que os outros partidos não entregaram. Por isso, de certa forma, o sucesso da extrema direita é um fracasso de todos os outros partidos.
Qual sua avaliação sobre o retorno dos trabalhistas ao poder na Inglaterra?
Se olharmos para a plataforma do Partido Trabalhista, é como a do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair. Basicamente, estamos de volta ao livre mercado. Então, eles conseguiram vencer, primeiro, porque as pessoas estavam fartas dos conservadores, que estavam no poder há 14 anos. Segundo, porque foram suficientemente inteligentes para compreender que, se quisessem ser eleitos, precisariam ser muito mais moderados.
Você já declarou que um novo conceito de identidade está substituindo as ideologias. O que isso significa?
O que as pessoas querem não é o partido de esquerda ou o partido de direita. Querem um Estado eficiente, um Estado que cuide delas, que as ouça. Além disso, por todos os lados existe uma nova noção de identidade. A campanha de (Donald) Trump baseia-se adequadamente nesta noção de identidade: "tenho uma identidade de homem, heterossexual" e coisas assim. E (Jair)Bolsonaro também tinha tudo a ver com identidade. Assim, as ideologias desapareceram, mas esse conceito de identidade, que achávamos totalmente obsoleto, está voltando com muita força, e todos os partidos políticos têm agora de levar este conceito em consideração.
Como você observa a disputa nos EUA e as críticas que Joe Biden recebe em razão de suas condições físicas?
Trump está em uma posição muito forte, não necessariamente por sua causa, mas por causa do comportamento de Biden, que tem sido um ótimo presidente, mas não sabe, como todos os atores, quando é o momento certo para sair do palco.
Trump seria mais radical em um segundo mandato?
Ele fala muito, mas, se você olhar o que realmente fez, foi muito pouco. A nossa sorte, de certa forma, é a preguiça de Trump e a incapacidade de dar seguimento às suas próprias ideias. Talvez agora ele esteja rodeado de pessoas mais eficientes e com uma agenda mais extremista. Mas acho que ele ficará tão feliz por ser presidente novamente que se olhará no espelho e dirá: "Eu sou o presidente novamente", e será isso.
Os democratas deveriam ter preparado melhor a vice- presidente Kamala Harris?
Ela é desconhecida do grande público, mas este tem sido o caso de quase todos os vice- presidentes. Ela é muito boa, na verdade. É uma debatedora dinâmica e extremamente qualificada, e seria uma adversária formidável para Trump. Mas outra questão seria: estariam os EUA prontos para aceitar uma mulher negra como presidente?
Como avalia a presidência de Javier Milei na Argentina?
Ele é um desastre para o seu país e para o liberalismo. Reduzir o volume da economia em 5% em pouco tempo é impressionante. E, claro, as pessoas mais afetadas são as mais pobres. Se você pertence à elite, se tem muitos dólares, a vida está indo bem. Mas é absurdo dizer que esta política econômica é um sucesso. Em segundo lugar, não se pode aplicar este tipo de violência às pessoas da noite para o dia, e sem explicar o porquê. A base do liberalismo é a negociação, a discussão, a coalizão, e não impor como um ditador, da noite para o dia, que você não terá mais assistência social, sua escola será fechada, sua empresa será fechada e que o preço do metrô aumentará.
E quanto ao terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil?
Quando Lula foi eleito presidente pela primeira vez, teve muita sorte. Agora a situação é mais complicada, porque os preços mundiais estão em baixa e ele não tem condições de redistribuir a riqueza como fazia antes. E acho que as pessoas estão um pouco decepcionadas. Além disso, não entendo por que Lula quer fazer parte deste "sul global" e ser parceiro da Rússia e outros. Lula é um democrata. Estou muito desapontado por ele se juntar a esta aliança de ditadores.
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