17 DE JULHO DE 2024
FÉ PARA O RECOMEÇO - Júlia Ozorio
FÉ PARA O RECOMEÇO
Como igrejas retomam atividades em Porto Alegre e Região Metropolitana
A perseverança de religiosos e fiéis mobiliza doações e garante mutirões de limpeza, auxiliando a retomada das quase 20 comunidades católicas afetadas pela enchente de maio. Muitas contabilizam perdas em documentações, artigos sacros e mobiliário, entre outros itens.
Fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, afirma trecho bíblico. Desde maio, é esta convicção que move fiéis e líderes religiosos para a reconstrução dos espaços sacros atingidos pela enchente.
Ao menos 20 paróquias e 60 capelas contabilizaram estragos na Capital e em partes da Região Metropolitana, aponta levantamento da Arquidiocese de Porto Alegre. Desse total, a entidade estima que apenas uma paróquia e 10 capelas ainda esperam pelo retorno.
Doações de produtos para realizar os mutirões de limpeza, além de perseverança, são alguns dos elementos que possibilitam a retomada.
No bairro Fátima, em Canoas, a paróquia Nossa Senhora de Fátima trabalha há dois meses com o apoio da comunidade para a reabertura das três capelas vinculadas.
A matriz é a única que já celebra missas, mas de forma esporádica. No local, uma imagem de Cristo crucificado indica a altura que a água atingiu. A escultura, pendurada a cerca de três metros de altura, tem leves marcas de barro dos pés aos joelhos da figura de gesso, mesmo após a limpeza.
Estragos
Os estragos em mobiliários, artigos sacros, como escrituras e gravuras, além de registros de batismos e casamentos, não desanimaram a comunidade, que já promoveu cinco mutirões de limpeza para reconstruir a paróquia.
- Fiéis de diferentes cidades vieram nos ajudar. Veio gente de Maquiné, Santo Antônio da Patrulha. Mais algumas cidades manifestaram interesse. Estão nos ajudando, de forma solidária, a retomar o lugar - comenta o padre João Carlos da Silveira.
A próxima ação está marcada para o sábado (dia 20) e deve, novamente, juntar a comunidade em prol da retomada da paróquia. _
Retorno das celebrações também serve como alento para quem perdeu tudo
A paróquia Santa Catarina, situada na Vila Elizabeth, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, vislumbrou um recomeço ao ser "adotada" pela paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Viamão.
- Grupos desta paróquia têm comparecido, em finais de semana, munidos de equipamentos, produtos de limpeza e muita dedicação, para efetuar uma força-tarefa de limpeza - relata Nelson Dreissig, integrante do Conselho Paroquial e ministro extraordinário da Sagrada Comunhão da unidade.
A enchente atingiu quatro metros de altura no interior da capela, causando mofo, avarias em mobiliário e danos irreparáveis em objetos litúrgicos. Como moradores do entorno estão empenhados em reconstruir os próprios lares, todos os reparos estavam sendo executados por lideranças da paróquia de Porto Alegre.
Com o apoio recebido, foi possível fazer uma primeira missa em 22 de junho. Desde então, uma celebração semanal é feita aos sábados, às 17h. Em tempos normais, eram realizadas cinco missas semanais. A expectativa é de que a capela Sagrado Coração de Jesus, que também pertence à paróquia, reabra em setembro, com adaptações e expectativa de um número menor de frequentadores.
Capela se salvou
Em maio, quando a cheia cobriu o Estado, toda a paróquia Santíssima Trindade, no bairro Farrapos, em Porto Alegre, ficou submersa, exceto a capela, que, por ter sido construída em um segundo piso, ficou cerca de 80cm acima da linha d?água.
O restante do complexo, constituído desde salas até quadras esportivas que funcionam no mesmo endereço, foi atingido pela água. O pároco Vicente Zorzo, responsável pela paróquia, precisou ser resgatado de bote, porque estava ilhado na igreja.
As missas foram retomadas em 7 de junho, com poucos fiéis presentes. A primeira reunião contou com apenas três pessoas. Mesmo assim, as celebrações continuaram ocorrendo. O objetivo, segundo o padre Zorzo, é ofertar um pouco de alento às famílias da região, que foi uma das mais afetadas na Capital:
- A maior dificuldade é manter viva a esperança das pessoas, que perderam suas casas depois de passar 50, 60 anos trabalhando para conquistá-las - salienta.
A volta das atividades só foi possível em razão das diversas doações, assim como das ajudas de entidades. Além disso, as catequeses na Santissíma Trindade devem voltar gradualmente, com turmas menores, assim como os outros projetos sociais.
- A primeira coisa que vi quando entrei na paróquia depois da enchente foi a escultura feita de ébano. Ela é de Moçambique e se chama Calamidade. Na frente, há pessoas que olham para o futuro ao fugir de uma tragédia. Atrás tem uma criança, que fecha os olhos para não olhar a destruição. Essa escultura lembra que, ao sairmos de uma tragédia, o olhar para a frente possibilita esperança. Quem olha para trás corre o risco de ficar travado pela perda - reflete o padre Zorzo.
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