19/07/2024 - 09h00min
Martha Medeiros
Homens não foram criados para desistir
É possível que Joe Biden esteja simplesmente evitando encarar aquilo que não lhe parece nada atraente, o seu depois
Gilmar Fraga / Agencia RBS
O que faz um senhor com evidentes fragilidades se agarrar a um posto pelo qual já deu sua contribuição.
Costumo enviar a coluna para o jornal na segunda-feira que antecede sua publicação, então desconsidere caso o texto, nesta brecha de seis dias, tenha ficado desatualizado. Até aqui, enquanto escrevo, Joe Biden não largou o osso.
É de se esperar que renuncie nos próximos dias, em favor de alguém mais enérgico para desafiar Trump, que agora usa a imagem do próprio rosto ensanguentado para, feito um mártir, comover a parcela trouxa de americanos que deseja reconduzi-lo à presidência. Só não entendo tanta demora.
O que faz um senhor com evidentes fragilidades se agarrar a um posto pelo qual já deu sua contribuição? Dinheiro não é, que salário de ex-presidente paga as contas. Prestígio não é, porque ele já entrou para a história do seu país. Vontade de servir à nação não é, pois já o fez e agora seria mais útil se passasse o bastão para um democrata que transmitisse segurança aos eleitores norte-americanos na disputa de novembro.
Superficialmente, podemos deduzir que Biden não sai porque é homem, e homens não foram criados para desistir. E menos ainda desistir do poder, essa droga viciante que coloca a pessoa sob um holofote do qual ela não se sente mais capaz de viver sem. Tudo, menos o apagão, a depressão, perder a comitiva de bajuladores em volta.
No entanto, desistência é um assunto mais profundo. Em seu ensaio Sobre Desistir, o psicanalista Adam Phillips aborda o aspecto sacrificante de trocar algo que se conhece por um vazio que se ignora – é um momento crítico em que temos que repensar nosso desejo.
Já não se trata do que não se quer mais, mas do que se quer a partir de então. Trocar um hábito pela incerteza nunca é uma travessia fácil. Phillips nos lembra que toda renúncia traz embutida a ideia do suicídio. Por isso ficamos tão apavorados diante da possibilidade de matar aquilo com o qual já estamos acostumados.
Por isso tanto se reluta em enfrentar o fim de uma etapa da vida, seja ela qual for. Incluindo as relações conjugais: quem toma a iniciativa de interromper um amor conhece intimamente essa angústia, ainda que se pense que só quem foi deixado é que sofre.
Biden certamente é um homem orgulhoso que deseja levar sua missão a cabo (já levou, mas aumentou a aposta com a intenção de se reeleger, e agora não consegue reconhecer publicamente seus limites). Nenhuma desistência costuma ser estimulada pela sociedade, ao contrário, é malvista e perturbadora. Logo, protela-se. O que fará valer o esforço de uma atitude tão drástica?
O que haverá em frente? Além das estratégias que seu partido precisa adotar diante dos últimos acontecimentos, é possível que Biden esteja simplesmente evitando encarar aquilo que não lhe parece nada atraente, o seu depois.
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