terça-feira, 30 de julho de 2024


30 de Julho de 2024
EDITORIAL

EDITORIAL - Uma eleição nada crível

São fartas as razões para suspeitar de que o resultado proclamado da eleição presidencial da Venezuela não traduz com fidelidade a vontade popular. Sequer se trata de desconfianças alardeadas somente por países com governantes identificados com a direita. Mesmo nações hoje lideradas pela esquerda, como Chile, Colômbia, Espanha, manifestam sérios questionamentos sobre a lisura processo. 

Conforme os números oficiais, divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, no momento em que a apuração estava 80% concluída, o autocrata Nicolás Maduro alcançava 51,2% dos votos. O oposicionista Edmundo González chegava a 44%. Os percentuais divergem da grande maioria das pesquisas de intenção de voto anteriores ao pleito.

A falta de transparência do órgão eleitoral, controlado pelo regime de Maduro, só reforça a suspeição de fraude em relação à contagem. O CNE, cujo site estava fora do ar até o início da noite de ontem por um suposto ataque hacker, informava apenas o resultado consolidado. Foi negado o acesso aos dados detalhados de cada urna. 

Sem a disponibilização das atas, que registram os votos por seção, não há como confirmar o desfecho. É o que pedem, de forma lógica e legítima, governos do Exterior e observadores internacionais. Somente desta forma será possível auditar o resultado. A oposição afirma ter obtido cerca de 40% das atas, e estas dariam a vitória a González. A resistência do CNE é sintomática.

A apuração sob forte suspeita está longe de ser o único elemento a contaminar a eleição venezuelana. Candidaturas inabilitadas sem justificativa plausível, perseguição e prisão de opositores e obstáculos para o voto dos desterrados se somam em um enredo que, desde o início, dava indícios de que o regime ditatorial de Maduro - com as forças armadas cooptadas e o judiciário e o parlamento dominados - faria qualquer manipulação e demonstração de força necessárias para permanecer no poder.

Pelas sombras que pairam, o governo brasileiro tem o dever moral de não reconhecer o autoproclamado triunfo de Maduro. O Itamaraty adotou uma postura de cautela, em um tom abaixo do esperado. Fala na necessidade da "verificação imparcial dos resultados" e diz que aguarda "dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito".

O governo Luiz Inácio Lula da Silva e o próprio presidente da República pagam um preço alto por terem demorado a admitir as evidências de inexistência de um verdadeiro Estado democrático de direito na Venezuela. Resta agora a Lula escolher, sem hesitação, se vai cerrar fileiras ao lado dos princípios democráticos ou se permanecerá preso a dogmas ideológicos do tempo da Guerra Fria e chancelará um processo eivado de arbitrariedades.

Depois de 25 anos de chavismo, a permanecer a situação atual, com Maduro no poder por mais seis anos após uma eleição com um resultado inverossímil, são grandes as chances de o país voltar a sofrer sanções e o regime endurecer. A conta será paga pela população, com mais pobreza e repressão. 

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