domingo, 20 de julho de 2014


20 de julho de 2014 | N° 17865
LUÍS AUGUSTO FISCHER

À flor da pele

O choro dos jogadores brasileiros foi menos de emoção do que de medo, me pareceu. E o medo de jogar brotou inteiro nos dois últimos jogos da Copa, os 10 a 1 que levamos. O que houve?

Haverá as razões objetivas – Felipão treinou pouco; o time não se preparou como os demais porque não precisou disputar a classificação, como dono da casa; não temos uma geração notável, com exceção do Neymar; muitos dos selecionados são claramente gente imatura (o Luis Fernando Verissimo disse que o Oscar tem cara de guri para quem se revelou agora mesmo que Papai Noel não existe); não parece haver líder válido entre eles; poucos dos nossos selecionados ocupam o primeiro plano no futebol europeu, onde jogam. Mas há as razões subjetivas, entre as quais o medo.

Medo de fazer feio em casa. Medo de mostrar um país que dá medo pelo cotidiano violento, que por meses a fio foi centro da propaganda negativa que circulou no país e no Exterior. Medo de que a Copa fosse um fracasso devido à hipótese de manifestações violentas, como ocorreu na borda do junho-2013.

Na borda, porque no centro havia um grande sentido político, que não pode ser debitado na mesma conta da arruaça. Medo como eco do medo (e do desejo) sentido pelas autoridades (e pela oposição) de que a Copa – dando errado (ou certo) – significasse uma derrota de suas pretensões na eleição que vem aí.

Pessoalmente fiquei embasbacado em duas cenas. Uma foi quando o Felipão, após o jogo com o Chile, afirmou que tudo ia bem, que até a presença da psicóloga era já prevista (não era, ela disse depois) e que – aqui meu susto – ela nem recebia remuneração pelo que fazia. Naquele mundo de nababos e de marketing imperante, ele disse isso a sério, como um valor superior.

Outra foi quando ele apareceu, na véspera da final ou logo depois dela, sacudindo um papel a dizer que tudo tinha dado certo, o planejamento tinha sido perfeito, nenhum atleta se machucou, apenas o resultado em campo é que tinha ficado abaixo do esperado. Um detalhe da realidade, enfim, contradizendo a planilha.

Felipão não foi agora o que já tinha sido em 2002, um aglutinador que operou como um salvador, um Dom Sebastião retornado. O Brasil sempre espera por ele (lembrou José Miguel Wisnik em excelente entrevista para o Estado de S. Paulo).

Felipão argumentando com uma psicóloga não remunerada e com uma planilha! Isso só pode ser fruto de sua aliança com o Parreira, que talvez tenha sido mortal para ele: Parreira, com sua lábia metropolitana escolada em mais de 40 anos de poder, da CBD (ele estava junto ao Zagalo em 1970!) à CBF, talvez tenha engolido o esforçado burguês caipira que é o Felipão. Mas não era bem isso que eu queria falar.

Na revista Brasileiros de junho, a excelente atriz Grace Gianoukas é entrevistada e, lá pelas tantas, comentando a profusão de espetáculos “stand-up”, a que não faltam péssimos humoristas a vazar seus preconceitos e suas grosserias querendo parecer graça, ela saiu com essa bela síntese: todo mundo está em pé, standing up, hoje em dia, cada um falando o que quer.

A sociedade brasileira se mexeu, moveu peças, inventou até o rolezinho para andar. Os caretas, os xenófobos, os racistas, os antipovo também têm a palavra, ao lado das minorias oprimidas e das maiorias tomando consciência; e não é raro que essas minorias e maiorias deleguem seu poder a, ou tenham seu poder surrupiado por, aborrecidos agentes do politicamente correto.


Tudo isso à flor da pele.