sexta-feira, 25 de julho de 2014


25 de julho de 2014 | N° 17870
DAVID COIMBRA

A última frase do poeta

A minha pátria é a língua portuguesa, escreveu Fernando Pessoa, e depois Caetano Veloso nele se inspirou para tecer uma bela canção. Interessante que a última frase dita por Fernando Pessoa não foi em português, foi em inglês. No leito de morte, um segundo antes do último suspiro, ele balbuciou: “I know not what tomorrow will bring”. Eu não sei o que trará o amanhã.

Ou seja: Fernando Pessoa morreu no exílio.

Fernando Pessoa falava e escrevia com fluência em inglês. Aprendeu quando morou em Durban, na África do Sul. Ao passar por Durban, durante a Copa de 2010, visitei o colégio em que ele estudou. Estava fechado, era tempo de férias, mas, depois de alguma argumentação, o zelador abriu o portão para que eu entrasse e fosse fazer reverência a um busto em bronze do poeta, plantado no pátio da escola.

Deu certo trabalho convencer o zelador, mas valeu a pena. Tudo vale a pena, quando... Você sabe.

Tenho pensado muito nisso que Fernando Pessoa disse, “a língua é minha pátria”, agora que estou vivendo em inglês. Porque as sutilezas da língua fazem toda a diferença. Por mais que você se esforce para compreender tudo o que está sendo dito e para dizer tudo o que pretende de forma correta, por mais que você estude e preste atenção, há sempre alguma pequena minúcia que lhe escapa, e é essa minúcia que dá a chave para o pensamento e o sentimento do interlocutor.

Estou vivendo numa cidade linda, agradável e acolhedora. Um bostoniano me disse, outro dia, que quem vive em Boston é de Boston. A cidade adota todos os que querem nela viver. Gentileza do bostoniano. Boston pode até me querer, e eu posso até querê-la, mas, por mais distante que esteja, por melhor que me sinta em outro lugar, o verbo me acorrenta ao Brasil.


O Brasil é tantas vezes injusto, os brasileiros são mais agressivos, tristes e rancorosos do que imaginam, as grandes cidades brasileiras são selvagens, são lugares onde as pessoas vivem tensas, onde o Mal espreita em cada esquina, tudo isso é verdade, mas quem teve a cabeça forjada pela língua portuguesa tem a alma forjada pela língua portuguesa. Tanto quanto Fernando Pessoa, eu não sei o que trará o amanhã. Nem para mim, nem para esse país convulsionado que é o Brasil. Mas sei que meu coração sempre estará aí. Sempre estará enterrado numa curva do Rio Guaíba.