segunda-feira, 7 de setembro de 2015



07 de setembro de 2015 | N° 18287 
DAVID COIMBRA

Um limite foi rompido

Tempos atrás, quando era repórter de polícia, fui fazer uma matéria com adolescentes infratores. Entrevistava uma menina que havia cometido uma série de crimes, nem lembro quais. Na verdade, recordo de quase nada daquela reportagem, exceto de uma frase que ela formulou meio que como desabafo:

– Sabe... o que eu preciso é de disciplina.

Menina inteligente. Expressou ali uma necessidade universal do ser humano. As pessoas, crianças ou adultas, quando vivem em sociedade, precisam sentir que há uma autoridade acima delas – para que se sintam seguras.

O pior chefe é o chefe bonzinho, que não diz claramente aos subordinados o que eles devem fazer. A mesma coisa o pai. Pais que dão aos filhos pequenos direito de escolha são pais cruéis. O pai responsável toma as decisões pelos filhos.

Mas ter autoridade não é ser autoritário.

Agora, em setembro, aumenta o número de suicídios de jovens no Japão. Sabe por quê? Porque eles têm de voltar à escola, e os jovens japoneses se sentem oprimidos pelo excesso de disciplina e pelo clima competitivo das escolas do país.

É algo sutil. Os governantes brasileiros, traumatizados com o autoritarismo da ditadura militar, sentem-se constrangidos quando têm de exercer sua autoridade. O resultado é um povo oprimido pela falta de disciplina.

Neste feriadão, no Rio Grande do Sul, a frouxidão das autoridades do Estado, somada a um conjunto de circunstâncias sociais e políticas, instaurou o pânico entre a população. Foi rompido um limite. Foi quebrada uma barreira. Os bandidos compreenderam que podem ir além do que iam. Será necessária muita força, muito empenho, para que haja um refluxo dessa situação. Agora é a hora da liderança. Mas... haverá liderança?

O reencontro


Com tudo o que está acontecendo, é claro que as pessoas não vão prestar atenção em amenidades, mas tenho de lhes contar que a Seleção Brasileira está em Boston. Tenho longo relacionamento profissional com a Seleção. A primeira vez que nos encontramos, eu como repórter e a Seleção como... bem, Seleção, foi há uns 29 anos. Trabalhava no Diário Catarinense, e a Seleção, que nunca tinha se apresentado em Santa Catarina, faria um jogo na Ressacada. Era um acontecimento.

Minha missão consistia em ir até Siderópolis, no Sul, lá pegar o velho Guinga e levá-lo a Florianópolis. O velho Guinga era o pai de Valdo, meia do Grêmio que jogava na Seleção. Seria uma surpresa para o jogador.

Valdo era craque. Jogava macio, mas sabia ser agressivo. Mais ou menos por aquela época, assisti a um Gre-Nal em que ele, sozinho, ganhou o jogo: aos 15 minutos já estava 3 a 0 para o Grêmio, e os zagueiros do Inter não conseguiam achar o Valdo nem para dar pontapé.

Tenho a impressão de que a ideia de promover o encontro do Valdo com seu pai foi do Zini, então editor de esportes do Diário. Foi bonito. Marquei uma entrevista com o Valdo no saguão do hotel da Seleção e, quando ele desceu do quarto, viu seu velho. Valdo apontava para Guinga e repetia:

– Ele jogava muito mais do que eu.

Coisa de filho amoroso. Não foi o primeiro craque que disse isso de seu pai. Pelé vivia falando algo parecido de Dondinho, que, dizem, era bom mesmo, uma vez fez cinco gols de cabeça num único jogo. Dondinho ensinou Pelé a cabecear de olho aberto e fez com que ele aprendesse a chutar de canhota. Aperfeiçoou o talento inato do filho. Com disciplina, Pelé e Valdo entraram para a história. Qual terá sido a história escrita por aquela menina que carecia de disciplina? Que história será que escreveremos nós, indisciplinados?