sábado, 19 de agosto de 2017



19 DE AGOSTO DE 2017
CLAUDIA LAITANO

ESPERANÇA NAS TREVAS

A expressão "era feliz e não sabia" é a primeira que vem à cabeça de quem lê o livro Hope in the Dark (algo como "esperança nas trevas") em 2017. Escrito em 2004 pela jornalista e ativista Rebecca Solnit (uma espécie de Eliane Brum americana, em termos de popularidade e perfil ideológico), o livro buscava oferecer algum consolo para quem via em George W. Bush - que havia ordenado a atrapalhada invasão do Iraque em 2003 - o fundo do poço da política americana. Em 2016, quando a eleição de Donald Trump provou que o fundo do poço tinha alçapão, falar em esperança no futuro se tornou novamente urgente, e o texto voltou a circular.

Ainda que o livro seja focado em histórias de sucesso do ativismo político nos EUA, a defesa da esperança em tempos sombrios é algo que pode interessar - por motivos óbvios - também aos brasileiros: "Ter esperança não é negar a realidade, mas sim decidir enfrentá-la. É levar em conta que não sabemos o que o futuro nos reserva - ao contrário do que acreditam pessimistas e otimistas de plantão".

Aos 56 anos, Rebecca Solnit é uma típica representante do ativismo pré-redes sociais. Ao defender a esperança, ela não se dirige aos seus adversários políticos, obviamente, mas a todos aqueles que, pensando como ela, sentem-se derrotados pelo desânimo e pelo ceticismo. (Alguém aí reconhece a sensação?)

Para manter o espírito em forma, sugere Solnit, é preciso exercitar o direito de ir para a rua protestar e exigir mudanças, mesmo quando as transformações que se deseja para o futuro ainda pareçam invisíveis a olho nu - todas as grandes mudanças, lembra a autora, um dia foram pouco prováveis.

A eficácia das grandes manifestações populares na rua, porém, vem sendo cada vez mais questionada. Para alguns autores, movimentos como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street (e poderíamos incluir aqui as nossas jornadas de junho de 2013) facilmente agregam multidões, mas têm dificuldade para passar do plano da catarse coletiva para o dos avanços concretos. O que sobra em facilidade de mobilização, graças à tecnologia, tem faltado em capacidade de formar lideranças e influenciar o poder estabelecido. Muitos Snowdens para poucos Mandelas.

Para quem aprendeu a acreditar, contra todas as evidências, que o povo, unido, jamais seria vencido, protestos sempre foram uma forma legítima de exigir direitos - e não de terminar com eles. Quando palavras de ordem contra negros, judeus, muçulmanos e gays, arrancadas do limbo da História pela extrema-direita, são entoadas à luz do dia, não há como evitar a sensação de náusea. É confortável imaginar que as manifestações do fim de semana passado em Charlottesville terão pouca ou nenhuma influência na arena política real - como outras tantas menos infames. Mas quando vemos o homem mais poderoso do mundo reagindo de forma leniente ao tipo de discurso que, afinal, ajudou a colocá-lo na Casa Branca, somos obrigados a admitir que as trevas nunca foram tão espessas na nossa geração. Haja esperança.

CLAUDIA LAITANO