sábado, 25 de setembro de 2021


25 DE SETEMBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

RISO CHINÊS

A China volta a ser o centro de atenção do mundo. A eventual quebra do gigante imobiliário Evergrande pode incidir nas bolsas de valores de cada país e derrubar economias consideradas sólidas.

Aos 20 anos de idade, passei dois meses por lá, convidado pela Federação Pan-Chinesa de Estudantes Universitários, em minha condição de presidente da União Estadual de Estudantes. No quinto ano da revolução de Mao Tsé-tung, a China ainda era pobre, homens e mulheres se vestiam iguais, em brim azul. Em vez de caixas registradoras elétricas, como aqui, eles usavam o ábaco, somando rápido ao mover botões numa caixinha de madeira.

A China tinha 600 milhões de habitantes, sobrava mão de obra e escasseava tecnologia. Em viagem de trem, observei um espetáculo fantástico: em fila de quatro quilômetros, milhares de homens passavam de mão em mão regadores de jardim, para irrigar lavouras com água de um rio. Foi o sinal de uma contração ao trabalho que, décadas após, transformou a China em potência mundial em tecnologia e produção.

Na volta (numa época em que se viajava pouco), em palestras por várias cidades, arranquei irônicos risos da plateia ao dizer que a China "seria a grande potência" mundial talvez ainda antes do novo século 21. Alguns pensavam que eu ironizava, outros que eu errava redondamente, mesmo ao lembrar que os chineses tinham descoberto a bússola, por um lado, e o carrinho de mão por outro, que abriram caminho ao desenvolvimento. Na austeridade de então, dizia eu, se preparavam para ser a grande potência mundial.

O riso que provoquei na época tem hoje significado oposto. Já não é irônico, mas de ansiedade por saber até que ponto o calote de US$ 300 bilhões de uma empresa chinesa pode provocar um terremoto nas finanças do mundo. É um riso amarelo, e chinês, portanto.

Não repetirei o que a imprensa e a TV já acentuaram sobre as incongruências, fantasias ou, até, mentiras do presidente Bolsonaro em discurso na assembleia geral da ONU. Aquele Brasil para- disíaco que ele descreveu não existe.

O presidente dos EUA, Joe Biden, ao falar pouco depois, parecia responder às fantasias de Bolsonaro. Lembrou que não se combate a pandemia à bala e que a "guerra fria" não deve voltar jamais, acentuando o perigo das mudanças climáticas como o novo desafio a enfrentar.

Aqui, o poder atual ressuscita o cadáver putrefato da "guerra fria" e, ao desdenhar a defesa do meio ambiente, sorri ao horror das mudanças climáticas.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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